O REI QUE VIRÁ
PRÓLOGO
"Não, não!... Não! Nunca! vocês nunca
me vencerão!... Odeio vocês, vocês dois! Odeio! ODEIO!"
Era sempre assim, todas as noites, há
muitas noites.
O
sono perturbado por um pesadelo misterioso. O rei acordava agitado, com a voz
alterada e a respiração ofegante. Os guardas que faziam a segurança na porta
dos aposentos reais já haviam se acostumado. Nos primeiros dias, chegaram a
arrombar a porta assim que os gritos iniciaram, só para ver o rei sentado à
beira da cama, o olhar absorto e muito suor. Ele afirmou que estava tudo bem,
mas não permitiu aos guardas comentarem com quem quer que fosse sobre o seu
sono intranquilo. Lucius, chefe da guarda, garantiu à sua majestade que assim
seria. E desde muitas noites, era assim.
De qualquer forma, Lucius quebrou sua
promessa, por uma boa causa: o conselheiro Alfredo foi informado sobre essa
situação. O conselheiro ouviu Lucius. Ficou agradecido... e calado. Desde
então, ambos estavam atentos. O conselho de Alfredo, também valioso, foi o de
que os guardas da ronda noturna fossem sempre os mesmos, para garantir o máximo
sigilo da situação.
Mas, no quarto ao lado, ela ouvia os
gritos do rei na hora dos seus pesadelos que atravessavam todas as madrugadas.
Também ouviu as ordens de sigilo de Lucius aos guardas. E entendeu que seria
prudente também fazer o mesmo. E assim fez, refletindo com seu coração
inquieto: "A quem meu pai odeia tanto? E por quê?"
1. Gabriel
Era a época da colheita.
O trabalho envolvia toda a comunidade. Os
jovens e adultos, homens e mulheres, colhiam o trigo maduro e levavam às
carroças, para a posterior debulha. Crianças participavam e começavam a aprender
a lida da terra, do plantio à colheita. Os velhos, à parte, carregavam água,
preparavam a humilde refeição do meio-dia, e lembravam das coisas do passado,
ora com alegria, ora com tristeza.
Estando próximo da pausa para a refeição,
o trabalho foi encerrado com uma canção misteriosa e cheia de esperança. A
letra, na sua simplicidade, dizia:
As dores podem ser
muitas,
mas todas irão
passar.
A alegria vai ser
constante,
quando o rei que virá
chegar.
Não haverá mais
pranto ou tristeza,
lamento e morte já
não serão mais,
Eterno gozo e eterna
paz
quando o rei que virá
reinar.
Quando o rei que virá
chegar!
Quando o rei que virá
reinar!
A canção era, para os camponeses,
expressão de uma fé em alguém que traria descanso e paz, tanto para a alma como
para o corpo. Que rei era esse? Quando chegaria? Os anciãos falavam daquela
maneira sempre misteriosa, em sussurros e frases não completadas. Velho Tomas,
considerado o mais sábio deles, quando era perguntado sobre o assunto, dizia:
"Ele já veio".
"Mas onde ele está, Tomas?"
"Você não o conhece?".
"Não...".
"Bem, então ele ainda não veio..., mas
virá na hora que quiser. Para uns ele já quis vir, então ele já veio. Para
outros, ele ainda não quis vir, então ainda virá..."
E a conclusão era: o velho Tomas está
louco. Mas todos respeitavam sua idade e os conselhos sábios que ele dava. A
não ser quando não eram conselhos sábios, claro...
Enquanto cantavam, os camponeses eram, a
certa distância, fiscalizados pelos guardas do rei daquelas terras. O monarca
exigira que seus soldados garantissem tanto a segurança quanto a eficiência
nesse período da colheita. Um destacamento pequeno, de quatro soldados sob o
comando de Gabriel, o chefe da patrulha, observava com atenção e seriedade o
trabalho.
Gabriel, jovem e leal à sua majestade,
começava a achar aquela cantoria algo incorreto e traiçoeiro. "O rei que virá",
pensava ele. "O que significa? Estarão esses camponeses tramando contra o
seu monarca? Estarão consorciados em uma traição contra o seu rei? Será que uma
conspiração estava em curso? Mas como conspirariam ao entoar abertamente a
canção?"
Por via das dúvidas, Gabriel alertou os
camponeses, quando eles já estavam começando a repetição da canção:
"É melhor que vocês parem de cantar,
porque o que vocês cantam cheira à deslealdade. Se quiserem, cantem ao monarca
dessas terras, ao rei de vocês, e não a esse rei que virá..."
As palavras de Gabriel encerraram a
cantoria, ainda mais porque ele falou de forma enérgica, e reforçada pelo ar
sisudo, junto ao resfolegar dos cavalos, dele e dos seus soldados, os cascos
batendo ao chão, riscando a terra com força. Um aviso que parecia uma ameaça. E
todos os camponeses silenciaram.
Na hora da refeição, os aldeões tomaram
uma atitude, não sem receio: enrolaram em panos alguns nacos de pão e pedaços
de carne, com algumas garrafas com água. O pouco que tinham, resolveram dividir
com os soldados do rei. Era também uma chance de eles, quem sabe, poderem se
explicar.
Três mulheres levaram as refeições. Nelva
servia os alimentos e Emília distribuía água. Niana, a terceira do grupo, foi a
responsável por entregar a parte talvez mais difícil: palavras oportunas e
esclarecedoras.
"Soldados, agradecemos a segurança
que vocês trazem para fazermos o nosso trabalho, e repartimos o que temos para
assim demonstrar".
Todos ouviam com atenção, principalmente
Gabriel, que tentava concluir se aquela camponesa era corajosa ou imprudente
por imaginar que podia se dirigir à guarda do rei sem ser solicitada. Achou
melhor, então, manter silêncio e mastigar o pão, a carne e as palavras de
Niana. Ela continuou:
"E é por gratidão a essa segurança
que também asseguramos: nenhum de nós somos conspiradores e traidores, e não há
qualquer sentimento de rebelião no nosso meio. Nossa canção é somente de
esperança, que é não somente para nós, mas para qualquer pessoa. Até o rei
dessas terras terá alegria e paz ao se render ao rei que virá, e..."
Nesse momento, Gabriel lançou a comida
fora, desceu de sua montaria e agarrou forte o cabo da espada. Seus homens
fizeram o mesmo. As mulheres perceberam que estavam sob um perigo iminente, e
se entreolharam, aterrorizadas. Mas suspiraram quando o chefe da patrulha
largou o cabo da espada, sendo seguido no exemplo pelos seus comandados.
"Não sei o que vocês tramam",
ele disse, depois de um instante de silêncio no qual buscou escolher bem as
palavras. "Vocês nos trazem pão e água, demonstrando generosidade, mas
cantam sobre outro rei, parecendo ser traidores... Porém, cantam sem esconder
suas palavras, o que me faz concluir que vocês são os traidores mais
inconsequentes que já vi... Se é que são traidores..."
De repente, Gabriel percebeu que já havia
se exposto demais àqueles camponeses.
"Terminem a refeição e voltem ao
trabalho", sentenciou, virando as costas para voltar à montaria. Porém,
mal dera dois passos, fez meia volta e completou: "E, senhoras: terminem o
trabalho sem cantoria", disse ele, falando as duas últimas palavras de
forma duas vezes mais devagar e duas vezes mais alto.
Dito isto, chamou os soldados e deu as
suas ordens.
"Vocês dois, que fazem a segurança do
rei durante o sono dele, fiquem mais duas horas e voltem ao palácio para
poderem descansar antes da vigília da madrugada. Os outros dois, só saiam
depois de todos os camponeses terminarem suas atividades e se retirarem para as
suas casas. E a todos, ordem expressa: eles não podem cantar essa canção do rei
que virá, em hipótese alguma. Eu vou retornar ao palácio imediatamente para
relatar a Lucius sobre essa novidade."
Saiu a galope tão rapidamente que logo se
via apenas a poeira da estrada levantada, e sua figura desaparecendo.
Os soldados ficaram quietos, até que um
deles falou o óbvio para trazê-los à realidade:
"Bem, homens, temos as nossas ordens claras e indiscutíveis. Então: ao trabalho."
2.
Velho Tomas
À sombra de uma árvore frondosa, o velho
Tomas – “velho Tom”, assim era mais conhecido – olhava o trabalho sendo
realizado. Lembranças da sua época de juventude, de pouca paz e muita guerra,
vinham à sua mente. "Fui moço, agora sou velho", pensava ele, e ria;
porque sabia que esse era o caminho da vida. E não se queixava. "O melhor
momento da vida é esse em que você está", ele sempre dizia aos que
buscavam seu conselho. "Não deixe as ansiedades do amanhã apagarem a
gratidão do hoje". Tom acreditava que o pior da vida não era envelhecer,
mas apenas envelhecer, sem aprender nada com o tempo...
Em certo momento, os soldados da guarda
buscaram também o refúgio à sombra daquela árvore. O velho Tom parecia dormir,
sereno. Os soldados queriam aproveitar um pouco do bom local para descansar.
"Mais meia hora, e poderemos
voltar".
"Sim, que calor terrível".
"É verdade, como esses camponeses
aguentam?"
"Ora, cada um é preparado pela vida
para fazer o que tem que ser feito: acha que eles saberiam manejar bem a espada
como manejam a foice?"
"É, acho que você tem razão... Acha
que a noite vai ser tranquila?"
"Tem tudo para ser, se contarmos que
já é rotina da madrugada os pesadelos do rei. A primeira vez que eu ouvi 'Odeio
vocês dois!' achei que era de nós que o rei falava. Deve ter sido o momento
mais apreensivo da minha vida", comentou um, passando rente à testa o
polegar esticado para enxugar o suor que jorrava.
"E quem serão esses dois que o rei
tanto odeia?", disse o outro, apoiando o pé direito em uma pedra e olhando
em direção aos camponeses em seu trabalho.
"Fantasmas", cortou a voz do
velho Tom, ainda de olhos fechados, encostado ao tronco da árvore e segurando o
pulso esquerdo com a mão direita. "O rei fala de fantasmas".
Os dois soldados se entreolharam...
Perceberam que haviam falado demais, confiando no sono pesado do velho. Se
aproximaram de Tom, que ainda estava de olhos fechados, sem demonstrar qualquer
preocupação com eles.
"O que você ouviu, velho?",
disse o soldado apoiado à pedra, olhando agora para o velho Tom com a testa
franzida e ar de ameaça.
"Que o rei grita de noite, tem
pesadelos... São fantasmas.”
O que fazer? Prender o homem? Era um velho
e, decerto, seria perguntado como soube do mau sono do rei. E ele diria o que
ouviu dos solados. Estes seriam punidos por tal indiscrição. Talvez o melhor
fosse matá-lo... Mas... um simples velho, e já conhecido por oscilar entre os
conselhos sábios e o comportamento insano... Dizem que uma vez, enquanto bebia,
gritou "Temos que despertar!" e jogou a bebida na cara, rindo como um
descontrolado. E todos riram juntos. "Ê, velho Tom, cada dia mais louco".
De outra vez se levantou de madrugada, abriu a janela e ficou olhando para o
campo, "Quero ver a estrela da manhã nascer", e ria, um riso contido,
de quem entende o que fala, ainda que outros não... E diziam um monte de outras
coisas. E chamavam o velho Tom de "o louco sábio", porque seus
conselhos eram muitos bons, tirando o seu comportamento que não tão bom assim
às vezes. "Deixa ele, que não faz mal a ninguém", era o que os
adultos diziam... E as crianças o achavam engraçado. "Tio Tom", elas
chamavam, e ele ria, e se sentava no chão com elas, e contava histórias muito
antigas, maravilhosas e misteriosas, e imitava cavalo, boi, passarinho, peixe,
e até o som do vento. E as crianças riam, riam muito... Velho Tom, louco sábio,
não faz mal a ninguém, deixa ele... Essa era a fama dele.
Os soldados resolveram, então:
"Velho, você não pode falar nada
sobre essa conversa ou irá perder a cabeça".
"Não sei de que conversa vocês estão
falando, sei da minha cabeça que está muito bem onde está, e gosto dela nesse
lugar".
Os soldados, com gestos e acenos,
entenderam que aquele assunto estava resolvido.
"Pois muito bem, então, que assim
seja. E lembre-se: quanto mais silêncio, mais a cabeça fica no lugar".
O velho Tom respondeu com um ronco tão
forte que até os passarinhos tamparam os ouvidos com as suas asas. Os soldados
riram e tomaram suas montarias – já era hora de voltar.
Ouvindo o som dos cavalos se afastando,
velho Tom entreabriu os olhos, somente o suficiente para ter o mínimo de visão
do local:
"Um pode ter ido e outro
ficado". Era sempre precavido.
Conseguindo verificar que, de fato, ambos
tinham ido embora, respirou fundo e olho para cima e para frente. Logo o sol
amenizaria, e as tarefas do dia estariam completas. Enquanto esperava,
conversava com ele mesmo, que era com quem mais falava. "O rei sonha...
são dois, e ele odeia os dois". E apertava seu pulso esquerdo com a mão
direita, tateando com a ponta dos dedos a pulseira dourada que tinha e nunca
tirava. "Não são sonhos, são lembranças... Elas estão voltando do passado,
como fantasmas assombrando o rei... Até o rei tem seus fantasmas, e é por isso
que ele mostra tanto ódio. O rei odeia porque tem medo. O rei tem medo... Que o
rei que virá tenha misericórdia do rei medroso".
E desatou a rir, pensando "O rei tem
medo..." Mas depois ficou mais reflexivo, e segurou novamente a pulseira.
Teve pena do rei. "O rei tem medo. Tem misericórdia dele, rei que virá...
Assim como você já veio para mim, venha para ele também..."
Arrumou novamente as costas no tronco da
árvore, na posição mais confortável possível, e voltou a dormir, que ainda dava
tempo de dar um cochilo.
Velho Tom, louco sábio. Era o que diziam.
3. Alfredo
Na corte, antes de ver o rei, Alfredo
verificava suas anotações e juntava a elas as últimas informações do
mensageiro. O conselheiro Alfredo, sempre muito organizado e meticuloso,
prestava serviços ao rei desde que este tinha oito anos, e lá se vão quase trinta
anos de serviço. A princípio servira como tutor do rei e regente do reino.
Agora servia como conselheiro do monarca. Poucos – e sem importância – eram os
assuntos que o rei não confiava ao seu conselheiro. Junto ao seu livro de
anotações, Alfredo já era visto quase como pertencente à realeza da corte. Suas
orientações eram bem recebidas, buscava a melhor alternativa para a o interesse
comum, e nunca renunciava a seus valores morais. "Não é sábio vacilar a
todo instante", "Nenhuma construção sem mantém sem bom fundamento",
"Princípios e pessoas primeiro, coisas e processos depois" eram
alguns ensinos que o rei ouvira centenas de vezes do seu conselheiro.
Quando o rei chegou, o conselheiro já
estava na sala de reuniões, com todas as notas tomadas e revisadas.
"Conselheiro Alfredo, sempre pontual
como um relógio", disse o rei, em tom amigável, ao entrar na sala. "O
que temos para hoje?"
Alfredo repassou todas as questões do dia,
a maioria em caráter de simples informativo. Segurança nas fronteiras, paz e
tranquilidade no meio do povo, período da colheita em andamento – a safra seria
melhor que a última colhida, garantindo fartura e, com ela, estabilidade. No
palácio, tudo no melhor andamento possível, ressaltando-se algumas manutenções
e consertos.
"E a fonte?", perguntou o rei.
"Recebi a informação do mensageiro há
poucos instantes: os trabalhos serão concluídos ainda hoje", disse
Alfredo, olhando rapidamente suas notas e confirmando que era assim mesmo a
informação que havia obtido.
"Que ótimo, poderemos ter aquela
visão deslumbrante da fonte a jorrar, como ela foi projetada. Sofia já sabe
disso?", disse o rei, olhando para os lados, como se achasse que sua filha
poderia estar ali por perto. “Ela se culpa por ter danificado a fonte... Mal
sabe ela que fiz o mesmo e ainda era mais garoto do que ela. Mas deixemos essas
lembranças de lado, que de nada nos servem.”
"Creio que a princesa ainda não sabe,
majestade, considerando que acabei receber essa informação".
E a porta abriu de repente,
inesperadamente.
"Papai, papai, o senhor precisa
saber: encontrei o mensageiro e ele disse a fonte funcionará ainda hoje, até o
final da tarde!"
Claro, era Sofia, parecendo um tufão de
vento escancarando a porta da sala de reuniões para informar ao rei seu pai
aquilo que ele acabara de saber naquele instante. Seu pai, tentando equilibrar
espontaneidade e compostura, respondeu:
"Acabei de saber, e comentava como
você ficaria feliz – como você evidentemente está. Mas até a sua felicidade
precisa ser comedida. Você não pode entrar na sala de reuniões dessa forma,
entenda isso", disse o rei, alisando os cabelos encaracolados da filha e
batendo com o indicador na ponta do seu nariz, que era o modo de dizer que estava
dando um conselho e não um sermão.
Alfredo a tudo observava, percebendo o
esforço do rei em ser um bom pai. Via-o tentando aplicar um ensino valioso:
como pode alguém administrar um reino se não cuida bem do seu próprio lar?
Inclusive o rei, desde cedo, o monarca exigiu de Alfredo a melhor instrução que
ele pudesse dar à filha. Além disso, fazia questão de ver a filha no final da
tarde e saber de todas as novidades do dia que ela pudesse ter. Certa vez, em
reuniões intermináveis, esse encontro do pai com a filha não aconteceu. Sofia
se recolheu aos seus aposentos, triste, como quem se sente esquecida. Encerrada
a reunião, o conselheiro esperou que todos saíssem, garantindo que tinha a
total atenção do rei.
"Foi um dia bem cansativo, Alfredo.
Há algo mais?"
"Sim, majestade, se me permite: dois
conselhos". Alfredo estava com o tom grave e semblante cabisbaixo. O rei
já conhecia essa linguagem: era algo que poderia incomodar a ele, o monarca.
"Tranquilize-se, Alfredo, pois sei
que há boa intenção no que vai dizer. Quais são os dois conselhos?", e o
rei se sentou em sua cadeira, apoiando o cotovelo esquerdo na mesa, a mão em
punho escorando o queixo, os olhos cansados, mas atentos para o seu
conselheiro.
"Com perdão pelo atrevimento,
majestade, ambos são sobre a pequena princesa, Sofia, que foi para os seus
aposentos sem ver o pai, hoje. Eis o primeiro: nunca deixe que ela se recolha
sem ter a sua bênção. Mesmo com o turbilhão de coisas a fazer, o rei poderia
ter ordenado a um dos soldados que trouxesse Sofia à sua presença, dado a ela
dez minutos de atenção, nos quais, inclusive, explicaria o porquê de não estar
com ela como de costume. Ela entenderia, como qualquer criança entende quando
alguém lhe explica as coisas. Nunca subestime a inteligência de uma criança,
ainda mais quando essa criança é a sua filha".
"Obrigado, Alfredo, é um bom
conselho. E qual é o segundo?", perguntou o rei, agora com as duas mãos
juntas, os dedos entrelaçados apoiando a cabeça, mais alerta e atento.
"O segundo é: antes tarde do que
nunca. O rei pode agora, antes de se recolher, passar no quarto de Sofia,
acordá-la, se desculpar, e desejar a ela que tenha uma boa noite de sono. Sim,
ela vai ser acordada, mas, sim vai ficar feliz ao ver o pai e, sim, vai dormir
bem melhor".
Após a um breve instante de reflexão, o
rei se levantou, apoiando o braço direito no ombro esquerdo de seu conselheiro.
"Obrigado, Alfredo, de fato é algo
possível, rápido e simples de se fazer, mas que fará a ela – e a mim – um bem
enorme".
Quando, lá pelos seus vinte anos, o rei começou a governar de fato, sem precisar da regência de Alfredo, o conselheiro viu que havia feito bem uma parte do seu trabalho. Isso fora há dezesseis anos. Agora, outra parte de seu trabalho, talvez mais difícil, estava em andamento. "Gostaria que todo conserto fosse fácil, como o da fonte no pátio do palácio. Como consertar o que está quebrado por dentro? Como dizer a alguém 'Seu coração precisa de conserto?' " Até esse momento, o conselheiro Alfredo não sabia como acessar essa área na vida do rei. Sabia que o coração do rei estava doente, mas o rei não queria saber. Sabia como consertar, mas o rei não queria saber. E enquanto isso, o rei tinha os seus pesadelos, e Alfredo buscava mais sabedoria para melhor servi-lo e ajuda-lo.
4.
Lucius
Estavam os três, Alfredo, o rei e Sofia, a
tratar de trivialidades, quando a presença do chefe da guarda, Lucius, foi
anunciada.
"Ele pede para falar com o rei em
caráter de urgência", foi gritado da porta de entrada. O rei e o
conselheiro trocaram olhares inquietos. Era uma solicitação inesperada,
inusitada e preocupante: o chefe da guarda evitava ao máximo solicitar audiência
com o rei, e quando o fazia sempre era por boas razões. Sofia, já ciente de que
era algo de grave e sério, deu dois passos para trás e ficou quase atrás do
trono, para não ser notada. Alfredo, à direita do rei, já estava com o livro
aberto, pronto para as anotações. Lucius entrou e saudou o rei inclinando
levemente a cabeça – no começo, ele se ajoelhava sobre a perna direita e erguia
o braço: era a saudação antiga – , mas o rei achava tudo isso dramático demais,
e simplificou a saudação.
"Rei, perdão pela intromissão:
informo que há suspeita de conspiração no reino!", eis o motivo da
audiência, e Lucius fitava o rei direta e intensamente, porque o assunto não
permitia rodeios e esquivas.
"Suspeita de conspiração? Como assim? Do
que se trata?"
Lucius fez o relato que seu imediato,
Gabriel, transmitiu: a fiscalização do trabalho da colheita, a música dos
camponeses, a repreensão, a explicação das mulheres, as ordens aos soldados, e
seu retorno para fazer o relatório a Lucius que, enfim, transmitia, agora, tudo
ao rei.
A primeira palavra do rei foi "Sofia,
minha filha, retire-se", em tom grave e imperioso, que não permitia
questionamentos. Sofia tentara ao máximo evitar ser notada, mas é claro que o
rei nunca deixou de perceber a sua presença. Às vezes, dependendo do assunto,
fingia não ver a filha, agindo com condescendência. Porém, diante da gravidade
do tema, Sofia não poderia estar presente. Com a sua saída, o rei retomou a
questão:
"Seu imediato, o soldado Gabriel, é
fonte segura?"
"Sim, majestade, é precavido com as
palavras até porque eu exijo o máximo de exatidão nos relatórios. Por isso,
trouxe a vossa majestade o caso como 'suspeita' de conspiração.”
Alfredo a tudo ouvia e tudo anotava.
"Algo além da música?"
"Não, majestade.”
"E era cantada às escondidas?"
"Não majestade, pelo contrário: era
entoada à vista de todos, na hora do trabalho da colheita.”
"E não somente Gabriel, mas todos os
soldados que estavam presentes ouviram..."
"Todos, majestade."
"Já li e estudei sobre várias
conspirações, e nunca soube de uma em que os conspiradores cantavam a plenos
pulmões sobre o rei adversário..."
O rei refletia para decidir o que fazer.
Novamente, dirigiu-se a Lucius:
"O que a sua experiência militar
instrui, Lucius?"
"Majestade, que prendamos alguns
desses camponeses, para fazê-los confessar o crime e, então, os executemos em
praça pública, à vista de todos, para que os conspiradores se amedrontem com o
exemplo dado".
O rei já sabia que essa seria a solução de
Lucius. Afinal, ele era um soldado e, portanto, a primeira ideia que lhe vinha
à mente era repressão e punição.
Perguntou o mesmo a Alfredo:
“Majestade, como conselheiro, preciso
discordar do comandante Lucius. As informações que temos não são de pessoas
querendo agir contra vossa majestade, e sim cantando sobre um rei que virá.”
“E não é a mesma coisa?”
Alfredo olhou com determinação para o rei,
e disse cada palavra com o máximo de clareza: “Acredite, majestade, não é.”
“Majestade”, interveio Lucius, “uma
resposta branda é mesmo que resposta nenhuma e, logo, essa manifestação ‘tímida’
pode transformar-se numa sublevação sem precedentes. Afirmo que...”
“Chega, Lucius, já o ouvi e já o
entendi...” A interrupção de Lucius, apesar de abrupta, foi feita em um tom de
voz calmo e moderado. “Chamem o mensageiro do reino.”
Lucius se dirigiu à porta e deu as ordens aos
guardas de plantão. Sua voz foi ouvida nos corredores, os guardas se puseram em
marcha acelerada e em alguns minutos o mensageiro estava diante do rei. “Mensageiro,
escreva:
‘Eu, o rei, a todos faço saber que,
deste momento em diante, não é permitido cantar, dialogar, falar, escrever,
sobre qualquer governante a não ser eu mesmo. Os infratores sofrerão as penas
duríssimas e severas que um ato de traição como esse exige.’”
“Lucius, certifique-se de que a mensagem
será entregue imediatamente, em todo os povoados, vilas e aldeias do meu reino,
a começar por essa aldeia onde a cantoria do rei que há de vir estava sendo
feita. Faça a escolta do mensageiro e garanta que todos ouçam e entendam a
mensagem.”
Alfredo tentou abrandar a situação: “Majestade,
como seu conselheiro, é meu dever lembrar que essa é uma medida deveras extrema
para um assunto que mal conhecemos e...” O rei interrompeu Alfredo, e você
poderia contar nos dedos de sua mão as vezes em que ele fez isso:
“Alfredo, posso garantir que conheço muito
bem esse assunto. Proibi, por decreto, cantar, dialogar, falar e escrever sobre
esse rei que há de vir. Se pudesse, teria colocado também a proibição de
pensar, mas sobre isso não tenho como. A decisão está tomada.”
O rei pediu ao mensageiro que lesse o
decreto. Lido e confirmado pelo rei com o selo de quatro faces – como era
conhecido o selo de sua casa –, a ordem real estava pronta e devia ser divulgada
imediatamente para seu total cumprimento.
"Lucius", disse o rei,
"mais uma vez, garanta que todos ouçam, saibam, de tal forma que quem o
transgredir sofra a punição exigida, consciente daquilo que se trata. Não quero
ninguém a acusar-me de ser injusto nessa questão".
Lucius retirou-se imediatamente, na companhia do mensageiro. Alfredo foi liberado, pois o rei queria ficar um tempo a sós para refletir. Também o próprio Alfredo ficou pensativo. Por fim, resignou-se: "Cada um tem a sua luta, e a enfrenta com as armas que possui. Lucius tem o aço, eu tenho as palavras.” Olhou para o céu, vendo somente o teto do castelo, porém sabendo que seus pensamentos não eram limitados pelas pedras montadas na construção. “Rei que virá, que ambas, espada e palavra, estejam a serviço da justiça com a misericórdia para, assim, serem armas que sirvam a ti. Que elas amadas e não temidas".
5.
Sofia
A retirada de Sofia foi a passos lentos,
bem lentos. Sua mente curiosa e inquiridora já havia percebido muitas coisas.
"Andar de gato, andar de gato" ela falava consigo, relembrando que essa
era a melhor maneira de chegar em qualquer lugar. Se ouvisse algum diálogo,
nunca entrava no ambiente antes de entender o assunto, da maneira mais
elementar que fosse. "Lembre, princesa: conhecimento é poder. Ame a
sabedoria, odeie a ignorância", eram as palavras de Alfredo a instruí-la.
Agora, já com os seus muitos dezesseis anos, entendia um pouco melhor essas
orientações. Por isso frequentava a cozinha: era o melhor lugar do palácio,
comida e informação andavam juntas. Seu sorriso cativante deixava as
cozinheiras à vontade para conversar sobre os últimos assuntos do reino; também
era lá que alguns soldados faziam as refeições com certa frequência. Inclusive,
ouvira sobre a canção dos camponeses antes do rei: Gabriel mal havia chegado,
sentou-se à mesa e solicitou uma boa refeição enquanto chamava um soldado, a
quem pediu a presença do comandante Lucius, e fez seu relato enquanto comia.
"Ouvido de gato, ouvido de gato", dizia Sofia, fingindo prestar
atenção na conversa das "tias" cozinheiras enquanto, de fato,
atentava para a conversa de Lucius e Gabriel. Mas como eles conversavam aos sussurros,
com palavras quase inaudíveis, ela não conseguiu entender muito bem e, a
pretexto de falar do conserto da fonte com seu pai, foi correndo para a sala de
reunião, sabendo que, minutos depois, Lucius estaria lá para falar ao rei o que
quer que fosse sobre "camponeses... canção... motim", o pouco da
conversa que conseguira entender.
Sempre fora irrequieta, desde menina.
Talvez por ter perdido a mãe quando nascera, cresceu com poucas restrições
próprias da educação feminina aristocrática. Além do conhecimento adquirido com
as instruções do conselheiro Alfredo, também teve liberdade para praticar
exercícios - era uma esgrimista razoável, apesar de não gostar e praticar
pouco. Mas era uma exímia amazona, o que orgulhava muito o rei. O que também
lhe era útil: a pretexto de alimentar Cometa, seu cavalo, podia atentar para
ouvir a conversa dos soldados quando ia ao estábulo, e saber a quantas estava o
reino. “Ouvido de gato, ouvido de gato”, e conseguia ter uma informação aqui
outra ali.
Ao sair da sala de reuniões, estava com a
cabeça fervilhando:
“E essa agora. Papai deve estar
exagerando. Onde já se viu não poder cantar?” Sofia era cantora fabulosa, e
achava que todo mundo deveria ter formação musical. “Música faz bem para alma.
Mas por que eles cantavam sobre o rei que virá? E quem era esse rei? E por que papai
foi tão enérgico na proibição?” Muitas perguntas. “Que pena meu pai ter
percebido que eu estava lá. Mas também não fez tanta diferença. São muitas
perguntas e as respostas não estavam na sala de reuniões. Amanhã é outro dia, e
poderei ir a outro lugar. O lugar certo para obter respostas.”
No dia seguinte, logo após o café, Sofia
pediu ao pai autorização para dar uma volta com Cometa. Era a melhor hora e,
além disso, evitaria ser encontrada pelos guardas de Gabriel e talvez até por
Lucius.
“Sim, Sofia, mas tenha cuidado e seja
prudente, não se afaste dos limites do palácio.”
Sofia
não disse nada, apenas acenou com a cabeça, agradecida.
“Preciso ser rápida, tenho pouco tempo...
Vamos, Cometa, nossa trilha hoje será diferente.”
Conhecedora de caminhos alternativos e de
muitos atalhos – Sofia sempre cavalgava muito além do palácio – chegou à aldeia
camponesa quinze minutos antes do que teria gastado se tomasse a estrada
oficial. Também teve o cuidado de deixar o cavalo atrás das casas ao fundo, já
próximo à floresta. Escolheu uma área de grama verde, apeou e deixou a corda do
animal amarrada a um galho baixo de uma árvore, pela ponta, para que Cometa
pudesse fazer sua refeição sem maiores incômodos. Seguiu, então, em direção à
aldeia.
Os aldeões estavam a ponto de partirem
juntos para o campo. Um deles, Luiz, era o mais desorganizado e, assim, o que
geralmente saía por último. Portanto, foi o primeiro a ver aquela mocinha vindo
dos fundos da aldeia em direção a eles.
“Ei, pessoal, pessoal, pessoal!”, ele
gritou, “temos uma visita.”
Quando os mais atentos reconheceram quem
era a visita, logo ser ajoelharam.
“Gente, pra quê isso, até parece que é a
princesa...”, disse Luiz com gracejo e gesticulando os braços, imitando o gesto
dos outros em tom bem debochado.
“É a princesa!”, todos responderam, e
parecia até coral, falando juntos e ao mesmo tempo. Luiz ficou pálido e
rapidamente se colocou de joelhos:
“Perdão excelência santidade não me prenda
eu não sabia...” e saiu disparando tantas palavras por segundo que parecia
impossível ele repetir tudo aquilo, mesmo que tentasse.
“Por favor, não há o que desculpar.
Levantem-se, todos. Agradeço a saudação, mas vim atrás de respostas e não
disponho de muito tempo”. Havia um tom de sinceridade e apreensão nas palavras
da princesa. Reno, que era o mais alto e mais forte de grupo, tomou a
iniciativa:
“E o que devemos responder à princesa?” Os
demais se aproximaram para ouvir a conversa.
“Gostaria de saber sobre o rei que virá”,
sobre quem vocês cantavam ontem".
Um
choque de temor tomou conta de todos, que ficaram entre o buchicho e o murmúrio.
Reno respondeu:
“Você não soube do decreto do rei seu pai,
proibindo esse assunto?”
Luiz imediatamente se desesperou:
“Ela é filha do rei, ela veio nos prender,
nós vamos morrer, eu vou morrer, todo mundo vai morrer!”
Reno segurou Luiz pelos ombros,
sacudindo-o para lá e para cá:
“Luiz, Luiz, se acalme, ninguém vai morrer.
A princesa é quem está quebrando a ordem do rei, não nós.”
“Ah, é...” Luiz se acalmou.
Reno
completou:
“A
princesa não quer o nosso mal... certo, alteza?”
Sofia
acenou com a cabeça e colocou no rosto seu mais doce sorriso tranquilizador.
“Não pretendo causar mal a nenhum de
vocês. Só quero saber.”
Niana se antecipou:
“Deixem, eu converso com ela. Os demais,
sigam para o campo, já estamos atrasando o dia de hoje. Luiz, fique no final do
terreno, próximo da estrada. Quando vir os cavalos da guarda, acene para Reno.
Ele virá avisar a princesa.”
“Tem certeza disso, Niana? Posso ficar
aqui, se você quiser.”
“Pode ir, Reno, está tudo bem, vou ficar segura.”
6.
Niana
“O que você quer saber, alteza?”,
perguntou Niana, um tanto desconfiada daquela, pois tanto a visita quanto o
assunto pareciam prenúncio de problemas.
“Primeiro, muito obrigada. Segundo, por
favor, me chame de Sofia.”
“Tudo bem... Sofia, mas seja breve.”
“Sim. Afinal, o que dizia a canção que
alarmou tanto Gabriel, Lucius e, principalmente, o rei?”
Niana recitou toda a canção, palavra por
palavra, verso a verso. Quando terminou, Sofia disse:
“Não me parece nada de rebelião. E esse
rei que há de vir, quem é?”
“Não sabemos o nome, sabemos o que ele
prometeu e o que ele fará, e nisso está nossa esperança.”
“Sabe se ele pretende guerrear contra meu
pai para tomar o trono?”
Niana riu, um riso quase maternal:
“Não, alt... Sofia, o rei que virá não
ambiciona os tronos ou os poderes desse mundo. Ela busca corações.”
“Corações?”
“Sim, corações, cansados e sobrecarregados,
de todos que sabem que aguentam um peso enorme de insatisfação consigo mesmos.
Ele veio consertar tudo que está quebrado. Mas faz isso de dentro para fora.”
“E ele já fez isso com você?”
“Creio que sim, e que ainda está fazendo.
Desde que pedi a ele que consertasse meu coração, tenho tido uma paz tão grande
que nem sei como descrever, e alegria sem fim. Mesmo que eu ainda tenha muito o
que ser consertado, sei que ele já começou essa boa obra em mim, e ele vai
conclui-la.”
“E o que você fez para ele ser tão bondoso
com você?”
“Nada, apenas pedi, fui sincera e disse
que, se ele quisesse, eu precisava do amor, da paz, do sentido que ele traz
para a vida. E desde esse dia, ele tem estado comigo, todo os dias.”
“Bem, se é assim, Niana, então não sei por
que você diz que esse rei virá. Está parecendo mais que ele já veio... Pelo
menos para você.”
Niana teve a sensação de que fora atingida
por um raio! De repente, as palavras do velho Tom fizeram sentido. “Para uns
ele já veio, para outros não.”
Niana começou a falar no seu pensamento: “Sim,
é isso. É isso! ele já veio para mim! Eu lembro do dia em que ouvi a conversa
dos anciãos da aldeia. 'Ele virá para os corações cansados e sobrecarregados,
para os aflitos e abatidos, para aqueles que sabem que precisam dele, que estão
doentes. Quem é são não precisa de médico. Mas ele não vem para os sãos, vem
para os doentes'. Naquela mesma noite, chorei sozinha no quarto, deitada na
cama, e fiz um pedido tão simples e tão verdadeiro. 'Rei que há de vir, não demore
mais, pois eu estou doente. Minha alma dói, meu espírito está abatido. Não
demore, ó rei, vem ao meu encontro. Por favor...' E fui invadida por uma paz
tão viva, e pela certeza de uma presença tão especial, perfeita. Sim, o rei já
veio, que maravilha! Agora posso continuar cantando que ele virá porque espero
que ele venha para todos, como já veio para mim.”
E seus olhos pareciam mais olhos d’água,
de tanta lágrima surgindo.
Sofia, entre curiosa e desnorteada, olhou
para Niana, que chorava, mas estava feliz e em paz. Reno chegou nesse instante:
“A guarda real vem vindo. Em instantes
estarão aqui... Niana, está tudo bem?”
“Sim, Reno, está tudo perfeito. Princesa,
você precisa ir.”
“Sim, eu sei. Obrigada por seu tempo e
suas palavras. Trouxeram a mim muito o que pensar.”
Niana sorriu, um sorriso maternal. Abraçou
Sofia – que simplesmente ficou sem ter reação para o gesto. Depois, olhando nos
olhos da princesa, disse:
“Veja como são as coisas: você veio fazer
perguntas, mas fui eu que obtive a melhor de todas as respostas!”
“Não estou entendendo, Niana.”
“Não precisa, você vai entender no momento
certo. Foi assim comigo: esse foi o meu momento. Agora vá, se apresse, e que o
rei que há de vir esteja com você!”
Sofia não sabia se havia entendido. De
qualquer maneira, seu tempo estava esgotado.
Ela montou em Cometa e saiu em uma trilha
que terminava em uma elevação, um barranco de quase dois metros de altura. Ao
virar à direita, tinha acesso à estrada oficial. Era o lugar perfeito para se
esconder de olhares perigosos. Então, foi só esperar. Quando a guarda real passou
a todo galope para a aldeia, na mesma poeira levantada pela passagem deles ela
fez Cometa entrar e seguir na direção oposta. O cavalo só não ia mais veloz do
que o turbilhão de pensamentos na mente da princesa.
“Deu tudo certo, e já tenho algumas
respostas..., mas várias outras perguntas.”
Na aldeia, Niana tomava o caminho para o
campo, para continuar o trabalho da colheita. Reno a acompanhava em silêncio,
percebendo que a amiga estava em algum tipo de introspecção intensa e
revigorante, pois as lágrimas, mesmo em menor profusão, continuavam a rolar,
mas acabam em um sorriso largo e extenso. Enfim, Niana quebrou o silêncio:
“Reno, sabe quem tinha razão? O velho Tom!
O rei que há de vir já veio, pelo menos de uma certa forma.” E começou a rir,
feliz, quase gargalhando. Reno não sabia o que pensar.
“Você pegou a doença do velho Tom? Ficou
louca também?” Ela, continuando a rir, disse:
“O velho Tom é mais sábio que nós. Ele esteve certo todo esse tempo. Depois eu explico a vocês. Teremos uma conversa muito animada depois do nosso trabalho.”
7.
Alfredo
Em seu escritório, Alfredo repassava os
informes do dia, atualizava as atas do rei e registrava os assuntos mais
importantes. Em uma mesa mais escondida, estava o último decreto do rei, aquele
contra o rei que virá. Alfredo se perguntava o que aconteceria se o decreto
fosse, de fato, transgredido. Arrumando seus papéis, tentando se ocupar com
outras coisas, ouviu batidas na porta. Mas não eram batidas regulares e
monótonas, porém variadas, uma longa e três curtas, ritmadas, marcando tempo e
contratempo, com intensidade forte e fraca.
“Pode entrar, Sofia.” Claro que era ela.
Sofia gostava do escritório do conselheiro
Alfredo. “Parece mais uma biblioteca, será que ele não se cansa de tantos
livros?”, pensava Sofia, olhando para as estantes, com pilhas e montes de volumes,
papéis, livros abertos e fechados, alguns tão grossos que pareciam ter todo a
história do mundo escrita neles.
“Não, não me canso, um livro sempre vai
ser, no mínimo, uma boa conversa”, disse o conselheiro, parecendo ouvir os
pensamentos dela.
Encostando os braços na mesa, pelo lado
oposto ao que Alfredo trabalhava, inclinando o corpo para frente para assegurar
que estava dentro do campo de visão do conselheiro, Sofia disse:
“Alfredo, vim fazer uma pergunta.”
Alfredo não parou a sua atividade. “Claro
que ela veio fazer preguntas. Isso não me surpreende”, Alfredo pensou consigo.
Por isso nem respondeu, apenas esperou que Sofia continuasse. E ela continuou:
“O
que você sabe sobre o rei que virá?”
Alfredo foi pego de surpresa, e odiava
quando isso acontecia. Rapidamente foi até a porta, que estava entreaberta.
Olhou para os corredores, a ver se alguém estava por perto... Ninguém. Encostou
a porta, buscando mais privacidade e para evitar algum possível olhar fortuito.
“Sofia, este é um assunto não apenas
proibido, mas, nas atuais circunstâncias, perigoso.”, disse Alfredo, olhando
para a princesa de uma maneira que variava entre preocupação e curiosidade.
“Alfredo, não me fale de perigos: eu fui à
aldeia para buscar respostas. Obtive algumas, mas preciso de outras. Por
favor...”
Alfredo viu que não teria sossego e que,
talvez, fosse a hora de a princesa saber de algumas coisas.
“Sofia, o rei que virá é um rei que
governa acima de todos os reis da terra, seu reino é eterno e não tem fim, e
não é desse mundo. As leis do reino dele são contrárias a tudo aquilo que os monarcas
terrenos valorizam: guerra e conquista, riqueza e poder. No seu reino, verdade
e amor, justiça e misericórdia, fé e obediência, são as bandeiras que o cobrem.
Há muitos súditos desse reino, e servindo bem, sendo quem são e ocupando os
lugares onde estão. Isso acontece porque, antes de um súdito desse ser e servir
em algum lugar específico, ele serve ao reino e à justiça do rei que virá.
Aqueles que o encontraram continuam a buscar, os que acham que já o tem por
completo nunca o encontraram.”
Sofia ficou pensativa, lembrando as
palavras de Neiva sobre o velho Tom.
“E você é súdito desse reino, Alfredo?”
“Sim.”
“E você está traindo meu pai, o rei?”
“Não, pelo contrário, o sirvo melhor ainda.”
“E como isso pode ser?”
“Quem assume o compromisso de viver
segundo os princípios do rei que virá zela pela verdade, pela justiça, pela
retidão, pelo amor, pela misericórdia e pela piedade, independente de ocasião e
circunstância, pois foi isso que recebeu do rei. Os valores desse reino não são
contra, mas a favor das pessoas. Se alguém é contra esses valores, está sendo
contra si mesmo e deixando para trás o melhor que poderia ser. Vou dar um
exemplo: pense na alimentação, que é algo necessário e, portanto, que todos
precisam. O reino do rei que virá é como a mesa farta da ceia; ser contra ele é
se contentar com as migalhas que caem e ainda reclamar de que tem pouco,
podendo ter acesso à mesa.”
Sofia parou para refletir, achando o
conselheiro Alfredo estivesse lhe dando a aula mais difícil que já teve; havia
muitas ideias em poucas palavras. Retomou a conversa:
“E esse rei tem nome?”
“Muitos. Maravilhoso, Conselheiro, Deus
Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Ao ser anunciado seu nascimento,
Emanuel. Ao nascer, Jesus. Também é conhecido como Cristo. Outros o chamam de
Senhor, Mestre, Irmão, Amigo, Bem Supremo, e tantos outros.”
“Então ele já veio mesmo! E porque vocês
falam 'que virá', como se ainda não tivesse vindo?”
O conselheiro Alfredo olhou fixamente para
Sofia, e ela redobrou a atenção porque parecia que algo fundamental seria
explicado:
“Porque, Sofia, ele já veio para todos,
mas nem todos o recebem. A quem já o recebeu, ele veio, e está. A quem não o
recebeu, ele ainda não veio. A quem o buscar, ele virá se for buscado de todo
coração. E isso no tempo que nós chamamos ‘hoje’. Até que, no fim, ele virá
definitiva, total, plena e visivelmente, para exercer seu juízo e reinar eternamente.”
Sofia franziu os olhos, depois olhou para
o chão, o braço esquerdo colado ao corpo, em ângulo de noventa graus, o direito
dobrado, com a pontas dos dedos polegar e médio alisando o brinco de pérola no lóbulo
da orelha direita. Alfredo riu. Já vira aquela linguagem corporal várias vezes
nas aulas que dava para a jovem: ela estava confusa e pensativa, mais para
intrigada.
“Não é tão complicado como parece, Sofia.
Faça o seguinte: tente lembrar a primeira vez em que o rei seu pai viajou. Ele
disse: 'Sofia, daqui a alguns dias retornarei. Seja fiel a tudo que eu ensinei
a você. E fique tranquila: logo estarei de volta'. E quando ele voltou você
transbordou de felicidade. É assim com o rei que virá: a todos que o buscarem
ele virá; a muitos que já foram encontrados por ele, ele já veio; e no fim, ele
voltará, aos que o buscaram e aos que não o buscaram. A diferença é que, enquanto
o rei seu pai 'continuou com você' no nome, no parentesco, nos ensinos e na
memória, o rei que virá – Jesus – vive no presente, no ‘hoje’, real e
verdadeiramente, no interior do nosso ser, morando e vivendo em nós.”
As palavras de Niana voltaram à mente de
Sofia: “Ele busca corações.” Sofia estava intranquila, parecia entender, mas
não entender ao mesmo tempo. O que estava ouvindo fazia sentido, mas parecia
não fazer sentido. “Nossa, nem o que eu penso está fazendo sentido agora.”
Ele passou muito tempo roçando o brinco de pérola com seus dedos...
8.
Niana e Ária
Na aldeia, findo o dia, havia muito
entusiasmo. Niana chamou Luiz e solicitou que ele percorresse as casas para
pedir, a todos os interessados, que estivessem na cabana de Reno. “Fale para
Ária que ela não pode faltar em hipótese alguma!” Luiz foi como um raio e, na
hora acertada, todos estavam no local, alguns por interesse real, outros só por
curiosidade... e alguns não foram, seja qual tenha sido o motivo – é sempre
assim.
Niana tomou a palavra para explicar o
motivo da reunião: “Pessoal, quero compartilhar algo incrível e maravilhoso, que
entendi essa manhã, conversando com a princesa: o rei que virá já veio para mim
e para muitos aqui!”
O alarido de muitas vozes falando ao mesmo
tempo tomou conta do lugar. Niana esperou todos se acalmarem e relatou a
conversa com a princesa e a história de como ela, Niana, abriu seu coração
quebrado para o rei, e como ele estava consertando tudo. Alguns disseram: “Sim,
isso faz sentido.” Nelva comentou: “Minha esperança no rei é tão firme que é
como se ele estivesse comigo de fato.” Reno continuou: “A cada manhã peço ao
rei que me ajude a viver o dia de maneira a honrá-lo. Como ele faria isso, se
já não estivesse comigo?” Luiz foi o próximo: “A nossa vida é dura e difícil,
temos motivos de sobra para viver reclamando. Mas desde que tive consciência de
quem o rei é, há uma alegria que não acaba. Acho que podia cantar até aprisionado
em uma cela!” Todos riram. Emília comentou: “É, mas pela manhã, quando você viu
a princesa, achou que ia morrer, não foi?” Silêncio... E Luiz respondeu, cabeça
baixa e um risinho envergonhado: “Tem hora que falha...” E uma nova rodada de
risos correu pelo ar. O velho Tom aproveitou para enfatizar. “Sim, é isso
mesmo. Falhamos muito, mas o que o rei quer é nosso compromisso de retomar
sempre a caminhada. O problema não cair: é não se levantar.” E todos
concordaram com aquelas palavras sábias. “Então, onde está Ária?”, questionou
Niana. “Ah, ali, próxima da Emília.”
Ária era especial para aquele momento,
pelo menos segundo Niana. Por quê? Porque Ária olhava a vida com outros olhos.
Para Niana, Ária possuía duas coisas especiais: o olhar que via a vida com
poesia, e um poder invejável: o da escrita.
No passado – e lá se vão mais ou menos dez
anos – sua mãe servira como cozinheira do rei e levava a filha ao palácio, com
a devida permissão. Certa manhã, enquanto a mãe estava nas atividades
domésticas, Ária passeava pelo jardim do palácio, e ouviu uma voz grave e
firme, dizendo coisas que ela nunca tinha ouvido. Pé ante pé, chegou ao
parapeito da janela e, de dentro do local, viu um jovem senhor rabiscando em um
quadro enquanto uma moça, um pouco mais nova que ela, ouvia, repetia... e
escrevia. Ária estava vendo o conselheiro Alfredo ensinando os rudimentos da
escrita para a princesa Sofia. Do local onde ela estava, podia ver Sofia de
costas e o conselheiro Alfredo de frente para ela. É como se Sofia estivesse na
primeira cadeira da sala, e Ária, na última. Mesmo com todo esforço para ver
sem ser vista, Ária acabou sendo notada por Alfredo. Na hora do intervalo,
Sofia retirou-se por alguns minutos, dando ao conselheiro a chance de tomar
alguns biscoitos em um prato, e um copo de leite, e levar para a janela. Ária
percebeu que fora notada, e correu para se esconder atrás da primeira árvore
que encontrou. Respirou fundo e, levando a cabeça para fora do seu esconderijo,
viu o conselheiro Alfredo. Ele, com paciência, esperou que ela olhasse para
ele, levantou as mãos mostrando o copo de leite e o prato de biscoitos, e os
deixou no canto esquerdo da janela. Sorriu para a menina, e voltou para o seu
lugar, esperando Sofia, que voltou logo a seguir. Quando a aula foi retomada e a
voz do professor começou a ser ouvida novamente, Ária se esgueirou até o mesmo
lugar, acompanhando o restante da lição da manhã, agora com direito a lanche.
No dia seguinte aconteceu tudo da mesma
forma.
No terceiro dia, e daí em diante, quando
Ária chegava, já estava colocado, no canto esquerdo da janela, um copo de leite
e um prato de biscoitos, além de papel, caneta e tinta, para que a aluna
inesperada pudesse praticar as lições de escrita.
Somente uma vez Sofia comentou a respeito
do copo de leite e dos biscoitos.
“São para os passarinhos”, disse Alfredo. “Passarinho
que bebe leite no copo... Sei...”, comentou Sofia, em tom meio sarcástico. “Há
vários tipos de aves, Sofia... Vários tipos.”
Três meses depois, mais ou menos, ao
recolher o copo e o prato do parapeito da janela, o conselheiro encontrou um
pedaço de papel com o seguinte escrito:
Senhor, não estarei mais aqui na
semana que vem. Minha mãe não mais servirá ao rei na cozinha.
Aprendi a escrever.
Obrigada. Ária
“Ária. Então você canta como os pássaros
mesmo...”
Imediatamente, Alfredo chamou um dos
guardas e entregou a ele uma caixa, ordenando que o soldado encontrasse, na
cozinha, a camponesa mãe da “senhorita Ária”, e entregasse a encomenda que era
para a filha dela. Ária e sua mãe estavam na cozinha, arrumando tudo para
poderem voltar para casa. Quando a mãe de Ária se identificou, o soldado
entregou a caixa, que a mãe de Ária segurou com certa dificuldade. Na caixa
estavam: muitos papéis, canetas de penas, frascos de tintas. E um bilhete, que
Ária leu com grande emoção:
Nunca deixe de escrever, não pare
de praticar.
Alfredo, seu professor.
Ária encheu os olhos de lágrimas. A mãe,
espantada, perguntou: “O que você fez?” “Nada de mais: só aprendi a ler e a
escrever”, disse a filha, sentando-se em cima da mesa, rindo com lágrimas nos
olhos, os ombros levantados e as pernas balançando.
Por isso, Ária era especial. Era a úncia
pessoa na aldeia que sabia ler e escrever, salvo melhor juízo. Sua caixa era
cheia de textos sobre coisas que ela via – na natureza, no dia a dia da aldeia,
nas pessoas, nela mesma. Um dia, recebeu a visita de Niana enquanto escrevia. Ária
leu para ela um texto em que falava de como tudo era perfeito na natureza;
falava principalmente do canto dos pássaros, que acalmavam o seu coração. Niana
achou tudo muito lindo. Daí querer Ária naquela noite, sem falta:
“Ária, querida, precisamos muito de você.
Nossa canção do rei que virá é maravilhosa, mas está incompleta. Precisamos de
uma canção que também fale que o rei já veio. Você consegue fazer isso, certo?”
“Certo o quê? Como assim? Você está
pedindo que eu escreva uma nova música?” Ária falava rindo, e isso sempre
acontecia quando ela ficava nervosa e apreensiva. Ela ria e balançava as mãos
como querendo-as secar, mesmo sem elas estarem molhadas.
“Sim, é isso mesmo.”
Ária ficou muito aflita. Depois de alguns minutos, passado o susto, suspirou
e disse:
“Que o rei que virá venha e me ajude... Me
deem essa noite. Veremos o que terei pela manhã".
Nas primeiras horas da manhã, junto ao
cantar dos pássaros, ouvia-se a voz de Ária, numa melodia simples, mas cheia de
verdade e que refletia o que era a fé da sua comunidade, do seu povo.
Pela manhã minha fé se renova,
Traz alegria ao meu cantar.
Mesmo em meio a duras provas,
Rei que virá, vem me amparar,
Rei que está em mim, vem em consolar.
Em Ti coloco minha esperança,
Pois sei que nunca irás falhar.
Tenho então plena confiança.
Rei que virá, vem me amparar.
Rei que está em mim, vem em consolar.
Paz e alegria tens me dado.
Mesmo em tristezas, posso adorar,
Pois em tudo vejo teu cuidado.
Rei que virá, vem me amparar
Rei que está em mim, vem em consolar.
Niana tinha razão: Ária era especial para aquele momento.
9.
Sofia
Naquela mesma noite em que os camponeses
se reuniram para falar sobre a maravilha de que o rei que virá já veio, no
palácio, Sofia meditava em tudo que acabara de saber.
Suas conversas com Niana e com o
conselheiro Alfredo trouxeram um turbilhão de pensamentos, questionamentos e
dúvidas. Ela se sentia como um pequeno barco diante das grandes ondas do alto
mar. Parecia não ter qualquer estabilidade e poderia ser engolida por essas
ondas enormes. Buscou o sono, mas ele não veio. Resolveu caminhar, aproveitando
a noite tranquila.
Passeando pelo jardim, aproveitando o
brilho do luar e a brisa que refrescava a noite, Sofia pensava sobre o que lhe
disse o conselheiro, o que ouviu de Niana, a canção, o decreto do rei...
E logo mais ouviria também os pesadelos do
rei alvoroçando a madrugada.
Após o decreto, o pesadelo do rei se
agravou. Não era outro. Era o mesmo pesadelo, mas havia mais fúria em suas
palavras, mais raiva em sua voz, e a respiração mais ofegante, quase a ponto do
desespero. “Estranho que isso aconteça justo agora. Meu pai deve estar com o
coração doente.” E as palavras vieram à lembrança, “Ele busca corações”, “Ele
conserta corações quebrados.”
“Como seria bom se papai buscasse o rei
que virá, o rei que conserta corações quebrados... Alfredo disse que o rei virá
a quem o receber... Quem o receber. Posso receber o rei por meu pai?”
Por um momento um raio de esperança brilho
em seu rosto! Mas logo se desvaneceu...
“Acho que não, não posso. Se ele busca
corações que o buscam, cada um deve fazer essa escolha. Cada coração...”
Pensou em falar ao pai sobre esse rei
maravilhoso. Mas viu um problema e, não, não era o decreto. O problema que ela
viu foi o seguinte: como querer para alguém o que não tenho em mim? E se
perguntou:
“E o meu coração?”
E buscou em si para saber de si.
“Quem sou eu? Quem é Sofia?”
Era a princesa. Não conhecera os avós, que
todos eram falecidos quando ela nasceu. De ouvir falar, muito do avô, pai de
seu pai. Pouco da mãe, que teve complicações logo após o parto, sendo outro
golpe amargo da vida ao rei seu pai. Sempre teve a presença do pai, recebeu a
melhor educação que poderia ter e usufruía de comodidades e luxos que eram para
poucos.
E ali estava ela, a princesa, cercada dos
melhores cuidados que a vida poderia trazer.
“E o meu coração? Busco por algo mais...
Se tenho tudo que preciso, por que pareço estar incompleta, sempre buscando? E
onde vai parar essa busca? Somente quando estiver alcançado o que é plenamente
perfeito. Só que a única coisa que encontro é a imperfeição de quem sou. O que
está além de mim, acima de mim, totalmente diferente de mim? É esse o
'quebrado' do meu coração? Como posso achar que tenho tudo e viver a sensação
de não ter nada? E se esse ‘tudo’ que tenho não for o mais importante? É como
ser dono da Terra, com tudo que ela possa dar, mas não ter o Sol. De que
adianta a Terra sem o Sol? De que serve tudo ter, sem o Sol para trazer vida?
É esse o quebrado do meu coração? Sim, parece ser... O que fazer? Não, não vou
chegar ao mesmo ponto em que meu pai chegou, para ter pesadelos de ódio toda
noite. Não quero aumentar a ferida do meu coração.”
Ficou muito pensativa sobre isso...
E quis falar com o rei que virá. Mas
queria falar de maneira forma verdadeira, real, sincero. E foi esse o seu
raciocínio:
“Ele é chamado de rei. Alfredo disse que
ele tem vários nomes. Vou falar com ele sendo quem eu sou, pois como me
atreveria a não ser transparente diante dele? E vou falar com ele sendo quem ele
é.”
Olhou para as estrelas, imaginando que
elas fossem os olhos do rei, brilhantes, em todo lugar, impossível de se fugir.
E disse:
“Rei que virá, majestade, obrigada por
estar me ouvindo. A princípio pensei em falar com vossa alteza sobre o meu pai,
que também é rei! Porém bem menos majestade que vós... Mas, se entendi certo,
tu vens aos que buscam a ti. Então, o que peço em relação ao meu pai é que ele
busque a ti. Quanto a mim, estou aqui, solicitando essa audiência porque sei
que tu consertas corações. Conserta o meu, rei, conserta antes que ele quebre
mais ainda. De repente, percebi que não tenho o que há de mais valioso, o que
faz todas as outras coisas terem sentido. Não tenho o Sol... Vem, rei, e brilha
em mim! Vem ser o Sol que preciso para tudo fazer sentido! Não sei como tu
fazes isso, mas prefiro andar contigo a vida toda para ter o teu cuidado, do
que querer cuidar de mim por mim mesma. Faça como quiseres, que eu estou a tua
mercê, rei que conserta corações".
A princesa achou melhor falar com o rei em
segunda pessoa. Foi o que aprendeu, os pronomes de tratamento e o uso da
segunda pessoa. Se era regra para os que falavam com o rei seu pai, que dirá
com o rei dos reis...
“É isso, majestade. Espero não vos ter
ofendido, e ter feito certo. Muito obrigada”.
E ficou ali, um pouco mais, olhando as
estrelas. Lágrimas rolavam dos seus olhos vivos e marejados e úmidos. Refletia:
tomara uma decisão. Era a certa? Será que o seu coração começaria a ser
consertado? Ela buscou esse rei: seria isso porque ele a estava buscando antes?
E como seria sua vida de agora em diante? Lembrou de seu pai: quando ela
começou a aprender muitas coisas – andar, nadar, montar a cavalo, manejar a
espada – tudo parecia difícil, mas o que ele dizia?
"Sofia,
seja confiante e persista: eu estou aqui".
Não seria diferente dessa vez: Confiar. Persistir.
Ele está aqui.
Um momento especial para Sofia. Tão
especial que ela não aguçou seus sentidos – “ouvido de gato, ouvido de gato”.
Com isso, ela não percebeu a presença de um dos guardas que fazia a ronda
naquela área. Mas ele viu a princesa, e ficou de prontidão para dar-lhe
segurança e proteção, como era o seu dever. Com isso, ele ouviu tudo o que ela
disse.
Segundo o decreto do rei, não havia dúvida: a princesa era uma traidora.
10.
Niana
Ainda naquela noite, o guarda passou seu
relatório sobre a princesa ao seu superior, Lucius. Este, ao rei. O rei, a
ninguém. Pediu total sigilo e ficou arquitetando a melhor maneira de tratar com
a filha, e essa melhor maneira nunca apareceu...
Alguns dias se passaram, e algo aconteceu.
Certa manhã, era praticamente a última
semana da colheita, quase no fim do dia. Niana, arrumando os apetrechos usados
no trabalho, viu que tudo corria bem, os celeiros ficariam cheios. Havia
abundância.
E foi presa.
É que, de tão feliz que estava, cantou
baixinho a nova canção. De tão distraída, não notou a presença de um dos
guardas do rei. A instrução era clara: Niana transgrediu a lei, e foi detida por
traição.
Quando viram isso, seus amigos se
desesperaram. Tentaram convencer os guardas de que nada de mais havia ocorrido.
Gritos, empurrões, soldados sacando as espadas e assumindo posição de combate.
A própria Niana pediu calma aos amigos, e que não fizessem nada, pois a
situação no momento pareceu realmente caminhar para algo fora do controle.
“Falem com o velho Tom, e peçam sabedoria
ao rei que virá, para agirmos da forma correta, segundo a vontade dele”, disse
ela, sendo levada em direção ao castelo. Falou bem alto, porque realmente acreditava
que o velho Tom poderia pensar em alguma alternativa.
Nem precisa.
De longe, Tom viu o que ocorrera. Quando Reno
se aproximou dele, já foi recebendo as orientações:
“Reno, peça a todos que se importam com
Niana que sigam diretamente para o castelo, mas que ninguém vá com qualquer
coisa que possa caracterizar arma. Sem enxada, foice, ancinho... Nada,
absolutamente nada. A outra coisa é: instrua a todos que cheguem em silêncio,
de cabeça baixa e braços levantados, para que fique claro aos guardas do portão
que vocês estão indo em paz. Ao chegarem ao portão, o guarda perguntará o
porquê de vocês estarem lá. Diga apenas: ‘Vimos pedir a liberdade de Niana, que
foi detida há pouco’. Ele vai dizer que houve a desobediência ao decreto e que
ela será julgada pela manhã. E essa vai ser a parte mais difícil: não digam
mais nada, mas também não se retirem. Fiquem, apenas fiquem.”
“Tem certeza de que vai ser assim, Tom?”
“Espero que o protocolo ainda seja esse. E,
considerando as alternativas que temos, é o melhor a fazer, portanto, a nossa
grande esperança. Ah! Uma orientação final: deixe claro que a todos que irão
que, sim, é perigoso, e que alguns podem ser detidos como Niana foi. Não é
certo pedir algo das pessoas sem alertá-las das consequências. E que cada um
tome a sua decisão.”
Reno pediu a Luiz que percorresse todas as
casas da aldeia, informando sobre a prisão de Niana e a atitude que iriam
tomar. No fim das contas, menos da metade dos moradores adultos – ou seja, umas
trinta pessoas, mais ou menos – da aldeia aceitaram o plano. É que, uma coisa é
você conviver com pessoas que se comprometeram, e outra é você aceitar as
rotinas e os ensinos que esse compromisso traz. Mas outra bem diferente é você
se colocar em perigo por causa desse compromisso. É sempre assim.
Reno e Luiz foram à frente do grupo,
quando perceberam que Tom não estava entre eles.
Ficaram apreensivos.
11.
Preparativos
No castelo, as coisas estavam em
polvorosa.
Logo a notícia da prisão de Niana se
espalhou. Sofia, em desespero, achando que tinha parte da responsabilidade pela
prisão, correu ao pai, tentando convencê-lo do exagero e absurdo dessa
detenção.
“Será, Sofia? Por que você está tão
preocupada com essa camponesa? Ou talvez você também esteja conspirando
traições contra o rei seu pai?”
Sofia viu a mágoa no olhar do rei,
arregalou os olhos, pensando: “Ele sabe”. E se retirou.
O julgamento seria pela manhã, mas o rei
quis, ainda naquela noite, ouvir a prisioneira, e quais explicações ela teria
para aquele ato. Certamente pediria a presença de Alfredo para essa sessão
inesperada, e Sofia sabia disso. Por isso, quando ela saiu da presença do rei,
foi imediatamente ao escritório do conselheiro, que já estava revisando casos,
leis, juristas e tudo que se relacionasse a algo parecido com o caso. Ao mesmo
tempo, dizia consigo: “Detida por cantar! Onde está o limite para a estupidez
humana, mesmo de reis?” Era assim que pensava, quando Sofia entrou, sem bater
que não havia tempo:
“Conselheiro Alfredo, os guardas vêm
trazendo a sua convocação para presença do rei. Permita-me entrar com você! Por
favor!” Alfredo sabia que não havia motivo para negar o pedido da princesa, e acenou
positivamente.
Lá fora, os camponeses chegavam. Podemos
dizer que, para os guardas, foi uma visão, digamos, inusitada. Já ocorrera
registros de protestos camponeses, mas os relatos eram sempre de gritos, alguns
com “armas” – seus instrumentos de trabalho –, mãos fechadas em direção aos
céus e reivindicações inclusive muito justas. Dessa vez, nada disso. Mãos
abertas e erguidas aos céus, cabeças baixas, e silêncio. E tudo ocorreu como o
velho Tom disse:
“O que vocês querem?”
“Vimos pedir pela liberdade de Niana,
nossa amiga.”
“Ela está detida por desrespeitar a lei.
Será julgada amanhã. Voltem para as suas casas.”
Mas eles não voltaram. Se assentaram no
chão, continuaram em silêncio. Os guardas se entreolharam, sem saber o que
fazer.
Longe, na estrada, vinha um caminhante em
andrajos surrados, com o capuz a cobrir-lhe os olhos até a ponta do nariz.
Chegou em meio aos camponeses e se dirigiu a Reno:
“Está tudo bem, vocês estão fazendo o melhor
a ser feito.”
Reno reconheceu a voz, mas a figura que
ele via demorou para ser identificada. Havia muita escuridão e pouca barba.
“Agora, escute. Vou entrar para falar com
rei...” e passou a cochichar reservadamente a Reno algumas instruções. Reno
acenava, mostrando entendimento a tudo que lhe era dito. No final, só tinha uma
pergunta:
“Mas como você vai ser autorizado a entrar
no palácio?”
“Dizem por aí que macacos velhos não
aprendem truques novos. Pode ser. Mas certamente é verdade que macacos velhos
possuem velhos truques. Peça ao rei que virá que meu velho truque funcione.” O
caminhante sorriu e piscou o olho esquerdo, balançando a cabeça rapidamente.
Agora, sim, Reno teve certeza: era o velho Tom.
Você precisa saber que, um pouco antes, enquanto
Reno ainda reunia e explicava aos camponeses a situação de Niana, o velho Tom
foi para a sua cabana. No segundo cômodo, do lado da mesa de refeições, havia
um velho baú, grande, com um cadeado maior ainda a fechá-lo. A quantidade de
poeira e teias sobre aquele móvel era tanta que você diria que o baú não era
aberto há séculos. A chave ficava em um cordão atado ao pescoço de Tom, e que
nunca era tirado... Até aquele momento.
Tom retirou o cordão, colocou a chave
cadeado e girou-a, não com facilidade.
Cadeado aberto. Tirou-o e abriu o baú. O
ranger das dobradiças acordando depois de um longo sono geraram um ambiente de
mistério e assombro. Dentro do baú, tudo enrolado em panos. Tom os desenrolou e
verificou os itens. Disse, como que conversando com eles: “Parece que temos
mais uma missão, querida. Sim, sim, você pode dizer que é um combate. Se vamos
vencer? Não sei, mas essa é a minha esperança... Claro que você está pronta. Sempre
esteve, mesmo quando eu não estava.”
E riu, saindo para se preparar.
Navalha... Corte... Barba, com muita
dificuldade. Não era retirada há anos, deu trabalho para deixar o rosto liso,
foi a parte que demorou mais. Cabelos, as grandes mechas saiam facilmente.
Quando o cabelo foi ficando mais rente ao couro, o trabalho foi aumentando. Mas
a repetição dos movimentos foi trazendo de volta a perícia em algo feito
inúmeras vezes. Por fim, o velho Tom lavou o rosto e a cabeça em uma velha
tigela com um pouco de água. Ao terminar, olhou no espelho e deu um largo
sorriso:
“Sim, aí está você. Há quanto tempo!” E
desatou a rir, o riso da alegria em reencontrar um velho amigo. Mas parou
rápido, arregalou os olhos: “Quase me esqueci: Niana!” E se dirigiu novamente
ao baú: “Vamos querida. Está tudo aqui?... Sim... sim... sim...” Ele estava checando
uma lista em sua mente. “E a pulseira?” Tocou com a mão direita no pulso
esquerdo. “Ah, claro, você está aqui o tempo todo!”
Quando o andarilho chegou à porta do castelo,
o guarda de sentinela perguntou o que aquele mendigo queria.
“Exijo uma audiência breve, porém urgente,
com o rei.”
A risada do guarda foi longa e debochada. Em
seguida ele, perguntou:
“E a quem devo anunciar”, fazendo mesuras
aristocráticas com ironia e escárnio.
O velho levantou calmamente a mão direita próxima ao rosto, a parte externa da mão visível para o guarda, com o dedo anelar em destaque. O soldado ficou atônito, e deu ordens para que o perito da corte naquele assunto viesse imediatamente confirmar se o que ele estava vendo era de verdade...
12.
A camponesa, a princesa, a lenda
No castelo, Niana aguardava a inquirição
do rei. Ficou presa por horas, estava triste, faminta e desesperançosa. Em
certo momento, quando nada podia fazer além de cantar, bem... Ela cantou. A
antiga e a nova canção. Acabou se tornando um desafio. “Como posso cantar sobre
a alegria e a paz que tenho graças ao meu rei, se permito ficar abatida e
desanimada? O que acontece comigo é injusto? Certamente! Deveria tirar a minha paz? De
Jeito nenhum! É ao rei que me ama que dedico a minha vida, a minha canção e
todos os momentos. Até mesmo momentos como esses. Então rei da minha vida,
agradeço por esse momento, peço que encha meu coração de renovo e minha mente
de sabedoria, para responder de maneira que o Senhor seja revelado em cada
palavra que eu puder dizer.
No salão real, tudo estava pronto para que
a prisioneira fosse ouvida. O rei tomava assento no trono e repassava algumas
questões que havia elaborado. À sua direita, Alfredo, em um grande esforço de
domínio próprio, pedia sabedoria para esse momento de insanidade que
presenciava; à esquerda, Lucius, em prontidão com mais alguns soldados que
faziam a guarda do rei. Atrás, perto da porta de acesso ao interior do palácio,
escondida pelas cortinas da parede lateral, Sofia se angustiava, achando que
quase desmaiaria de tanto nervosismo. Respirava fundo, fazendo o mínimo de
som... nunca lhe ocorreu como era difícil fazer isso, respirar intensamente sem
gerar ruídos.
Niana foi levada à presença do rei.
Parecia cansada, mas não desamparada. Havia um certo ar de nobreza em sua
postura, refletindo alguma inexplicável coragem ou confiança. Mas isso foi
notado apenas pelo conselheiro Alfredo.
O rei começou:
“Seu nome é Niana.”
“Sim majestade.”
“E você sabe por que está aqui?”
“Sim, majestade.”
“Então diga por que.”
“Porque não observei o decreto do rei
sobre cantar ao rei que virá.”
Para o monarca, Niana parecia confirmar
sua condenação, e não fazer qualquer esforço para se defender. O rei ficou
surpreso; Lucius, impassível; Sofia, desesperada; Alfredo, intrigado.
“Então”, o rei continuou, “você não nega
que descumpriu o meu decreto.”
“Nada posso contra a verdade, majestade. O
decreto existe, e eu o descumpri.”
O rei parecia satisfeito. Sem nenhuma
objeção, seria fácil sentenciar Niana na manhã seguinte como culpada. Para
concluir, perguntou:
“Então você tem consciência de que é
culpada.”
“Não, majestade: sou inocente.” A resposta
de Niana desconcertou a todos. Até mesmo Lucius se deu à liberdade de franzir a
testa e questionar para si: “Será que a prisioneira está delirando?” O rei quis
esclarecer e convencer Niana:
“Você mesma disse estar ciente do decreto
e da sua desobediência a ele. Como pode se ver na condição inocente?”
Niana parou um pouco. Desde a sua prisão e,
principalmente, depois de pedir sabedoria para a hora em que seria questionada até
aquele momento na presença do rei, pensara no que ia dizer. Imaginara algumas
perguntas que seriam feitas a ela e já antecipara algumas respostas. Inclusive
essa, sobre ser inocente. Seu problema não era a resposta, mas sim a reação do
rei.
“Como já disse, majestade, não desconheço
o decreto e sei que o descumpri. Mesmo assim posso dizer que sou inocente,
porque...”, pausou, respirando fundo, enchendo os pulmões e pedindo coragem ao
rei que virá. A corte em suspense... o rei se inclina para frente: “Vamos
continue.”
“Porque quem comete injustiça é vossa
majestade, ao decretar uma lei que nos impede de falar do que acreditamos e nos
coloca na condição de traidores. A nós, que somos fiéis a sua majestade
justamente porque o rei que virá pede isso: que amemos e sirvamos os nossos
governantes da melhor forma que pudermos. Portanto, alteza, com o respeito que
sempre prestamos a vós: nesse caso, preciso dizer que não apenas sou inocente
como vossa majestade é o culpado.”
Encerrou, sem nem acreditar que conseguira
falar tudo aquilo. Alfredo, cabeça baixa e anotações para as atas, ficou
maravilhado com a clareza e sabedoria de Niana. “O que posso aprender com essa
camponesa!...”, pensou ele. Por trás da cortina, Sofia teve que colocar as duas
mãos sobre a boca, porque queria gargalhar diante da ousadia de Niana.
Enfurecido, o rei levantou-se do trono e sentenciou:
“Pois a sua ousadia e atrevimento vai lhe
custar muito caro. Pela desonra ao rei, passará o resto da sua vida na masmorra.”
“Majestade”, reagiu o conselheiro
imediatamente, “peço a sua alteza que seja moderado. Nem estamos em julgamento,
que será amanhã. O que acontece agora é um procedimento inicial que sua alteza
solicitou para ficar a par do assunto. E mais: não há na história do reino
qualquer sentença semelhante a essa que vossa majestade acaba de pronunciar.
Seria mais prudente...”
“Chega, Alfredo” – vociferou o rei – “pois
você mesmo ouviu o insulto a mim feito. Eu a estou punindo por desonrar o rei.”
Uma voz inesperada se fez ouvir:
“Ela só pode dizer que vossa majestade
está sendo injusta, pai, porque é o que está acontecendo”.
Claro, era Sofia, saindo por detrás das
cortinas e se colocando em frente ao rei.
“Pai, você está entendendo tudo errado, e
a sua reação só mostra isso. Esse seu ódio ao rei que virá não pode trazer bons
frutos. Se o senhor atentar bem o exagero da sua própria sentença – o resto da
vida privada de liberdade por... cantar! – , ela não tem nada a ver com a
questão do decreto, mas há alguma raiva que o está amargurando.”
“Sofia, saia daqui imediatamente!”
“Perdão, pai, mas não irei.”
Sofia virou as costas para o rei e andou
em direção à Niana, que imediatamente baixou a cabeça em reverência à princesa.
Sofia tocou no queixo de Niana e fez seus olhos se encontrarem. A princesa
sorriu, um sorriso acolhedor e reconfortante. Abraçou-a. Niana abraçou Sofia,
um abraço maternal, definitivamente.
E a princesa voltou a falar diretamente
com o pai:
“Até porque, se o senhor continua a
insistir nesse decreto injusto, o senhor deve lembrar: eu também descumpri o
decreto. Eu também conversei com o rei que virá. Eu o busquei, e ele veio para
mim. E desde esse dia, pai, eu amo o senhor mais ainda, e não menos. Eu sou
mais sua filha ainda, e não menos. E é dolorido dizer, mas Niana está certa: é
o senhor que está sendo injusto. E agora o senhor precisa tomar uma decisão,
porque, se a sentença de Niana é correta e justa, o mesmo tem que valer para
mim, que transgrido a mesma lei absurda que o senhor decretou. Há justiça
nisso?”
Sofia falou tudo isso com uma torrente de
lágrimas brotando dos seus olhos, porque ela sabia que a verdade só deve ser
servida no prato da misericórdia. Havia um ímpeto nela de querer confrontar o
pai, mas ela conseguiu manter o domínio próprio, e as palavras saíram com a
intenção que devia ser: de restaurar, não de destruir. Alfredo, extasiado,
fazia suas anotações e colocou na lateral dos seus escritos: “Se ela continuar
assim, que formidável rainha será.”
O rei, entre chocado e furioso, nem
conseguiu trazer qualquer palavra aos lábios, porque a porta de entrada foi
aberta de lado a lado, e um soldado, de olhos arregalados e semblante
assustado, entrou aos berros:
“Senhor, um dos camponeses exigiu estar na
presença de vossa majestade.”
Definitivamente a noite não estava sendo
boa para o rei.
“Exigiu?! E desde quando um camponês exige
algo do rei?! E por que você veio desesperado anunciar a presença de um
camponês?”
“Porque, majestade, ele tem o selo real.”
O rei olhou para a sua mão direita: lá
estava, em seu dedo, o selo real. Um anel com uma base sobre a qual, dividida
em quatro quadrados, desenhava-se em cada um a face do leão, do cordeiro, da
águia e do ser humano. Por isso também era chamado o selo de quatro faces. Obra
de perícia incrível, servia para lacrar as cartas, ofícios, decretos do rei.
Além das quatro faces vinha escrito, pelo lado de dentro, o nome do rei que
usava o selo.
Foi algo tão estranho que o rei chegou a
esquecer a situação de Niana e Sofia. Ele tirou o anel do dedo e mostrou-o ao
guarda na porta:
“Pois pode prendê-lo por falsificação:
como você está vendo, o selo está aqui.”
“Não é este selo, majestade. Tive o cuidado
de verificar o objeto, inclusive chamando o joalheiro-chefe da composição das
joias da coroa, que atestou a veracidade do objeto: é um selo de quatro faces
legítimo, e o nome de dentro não é o seu: é Eron I, o Justo. É o selo
que pertencia ao rei vosso pai.”
Não há como descrever a reação de todos,
principalmente do rei, quando ouviu o nome de seu pai. Mais ainda: a praxe era
de o portador do selo real ter acesso à presença do monarca a qualquer momento.
Nem que quisesse, o rei poderia negar audiência ao portador do selo real. É
como se o portador do selo fosse o próprio rei. Ou seja, é como se o camponês
misterioso fosse o próprio pai do monarca querendo a audiência com ele.
O caminhante foi trazido à presença do rei.
Em seus farrapos de pano e com o capuz a cobrir-lhe metade da face, parecia ser
um andarilho errante, desses que não se sabe ao certo de onde vem e para onde
vai.
“Retire esses trapos velhos e seu capuz, e
identifique-se perante o rei”, rugiu Lucius, diante da presença enigmática naquele
momento.
“Majestade”, disse o visitante inesperado,
“gostaria que vossa alteza permitisse uma conversa em particular para que eu
possa explicar a razão da minha visita e de estar com o selo de quatro faces do
senhor seu pai.”
“Não se dirija ao rei, a não ser que este
solicite”, orientou Lucius. “E, novamente, identifique-se e mostre seu rosto”,
repetiu a ordem, agora sacando vagarosamente a espada. O silencio era tanto que
o roçar da lâmina saindo da bainha parecia assustadoramente alto.
“Chega, Lucius, obrigado.” E se dirigiu ao
andarilho:
“Pedido negado, forasteiro. Tire esses
andrajos, o capuz, se identifique e diga a que veio, ou você simplesmente será
preso e o selo, apreendido.”
“Como quiser, majestade.”
A capa foi desamarrada pelo nó junto ao
pescoço, e toda a peça que o cobria foi retirada de uma vez. Niana demorou para
reconhecer o velho Tom, não por causa da sua voz, mas de sua aparência. A
armadura polida, muito brilhante, com o mesmo selo de quatro faces desenhado no
peitoral. Uma espada trabalhada com esmero tal que mais parecia uma joia. O
conselheiro Alfredo e o rei, porém, o reconheceram imediatamente. E, não, não
era o velho Tom.
Lucius, enfim, não só reconheceu, mas, ao
vê-lo, ajoelhou-se fazendo a velha reverência – joelho direito ao chão, com o
braço direito erguido e a cabeça baixa – e deu ordem para que todos os soldados
fizessem o mesmo, dizendo:
“Soldados, jamais esqueçam esse momento.
Não é todo dia que podemos estar diante de uma verdadeira lenda. Saúdem a Sir
Tomas Peace.”
Sim, o velho Tom era Sir Tomas Peace.
13.
Sir Tomas Peace
Logo que foi coroado, Eron I, o Justo,
pediu ao seu amigo de infância, Tomas, que assumisse o comando das armas no
reino. Tomas era exímio em praticamente todas as armas de guerra, e
praticamente imbatível com a espada. Mas seu lema era “A melhor guerra é aquela
que evitamos”. Por isso também tinha extensa noção de diplomacia e estratégia. Esse
conjunto de habilidades o fez figura respeitada por todos os seus subordinados.
Quando o conselheiro Alfredo chegou para ser o tutor do príncipe de oito anos
que, agora, era rei, Tomas e Alfredo logo se tornaram amigos. O conhecimento
que ambos tinham da vida e das coisas era a conexão fácil para que se
aproximassem.
Conforme os anos iam se passando, Tomas
foi percebendo que o príncipe não apreciava mais a presença dele como antes.
Entendeu que logo poderia ser mandado embora e tratou de buscar alguém que
fosse por ele treinado para assumir essa função. Dos seus pupilos, havia um
jovem muito dedicado aos estudos e exercícios de combate. Trouxe-o para próximo
de si, e o jovem Lucius passou a ser seu discípulo mais bem treinado e
preparado para a função de chefe principal da guarda. “É um pouco bruto, mas
tem um coração fiel e capacidade guerreira mais elevada que os outros. Servirá?
Espero que sim. Terá que servir.”
Quando o príncipe completou vinte anos, não
precisou mais da tutela administrativa de Alfredo, que passava então ao cargo
de conselheiro do rei. A coroação deu ao príncipe o título de Eron II, o
Promissor, com a expectativa de continuar o modelo justo e correto de seu pai.
Nesse mesmo ano, o então rei Eron II informou a dispensa de Sir Tomas, que já
esperava por isso.
Chamado à presença do rei, Sir Tomas foi
avisado de que seus serviços não seriam mais necessários, ao que ele comentou:
“Agradeço o tempo que pude servir ao rei
Eron I, seu pai, bem como à vossa majestade.”
“Precisaremos de um substituto. Gostaria
de indicar alguém?”
“Dos que estão aqui, o jovem Lucius seria
a minha melhor aposta.”
“Que assim seja. Tenho aqui uma carta de
recomendação, caso você precise ser referenciado em outras cortes.”
“Agradeço, majestade, porém dispenso. Não
estarei mais a serviço da espada.”
“Vais tornar-te um camponês?”
“Quem sabe”, respondeu Tomas. O rei riu.
Tomas não.
“Ainda precisas passar no tesouro do reino.
Já solicitei que recebas o que é justo e mais dois terços do valor pelos muitos
serviços teus prestados ao reino.”
“Agradeço, majestade, porém dispenso. Levarei
somente o meu baú e o que está dentro dele.”
“E o que tens no baú?”
“Lembranças.”
“Então, espero que vás em paz. Quando
estiveres por aqui pelo reino, serás bem-vindo ao visitar-nos.”
“Virei quando for necessário.”
“Algo
mais?”
“Sim,
majestade, que vossa alteza cumpra a sua palavra.” O rei fez um olhar de quem
não entendeu; porém, Tomas logo continuou:
“A última que disseste: ‘Serás bem-vindo
ao visitar-nos’. Virei quando for necessário. Espero ser bem-vindo quando isso
acontecer.”
“É claro que serás, Sir Tomas Peace. Certamente
virás em paz...”
“Paz é meu nome. Não poderia vir de outra
forma.”
E agora, dezesseis anos depois, Sir Tomas
Peace voltava à corte do reino que servira por mais ou menos quarenta anos. E
esperava que o rei cumprisse a última promessa que fez a ele.
“Então te tornaste camponês
verdadeiramente, Sir Tomas Peace, veja que ironia. Presumo que tenhas vindo por
causa da rebelde camponesa Niana.”
Niana, aliás, estava incrédula ainda por conviver
há anos com o “velho Tom” sem saber quem ele era de fato.
“Sim, majestade, vim por ela. Pode-se
dizer também que vim para rever Alfredo e Lucius, ou que estou aqui para
conhecer a princesa, que nasceu pouco tempo depois de eu ir embora. Mas a
verdade é que vim por vós, alteza.”
“Por mim?”
“Sim, alteza, por vós. Porque o decreto
que resultou na prisão de Niana é uma vergonha e um insulto aos princípios nos
quais foste criado e dos quais tão tola e rapidamente vos afastais. E ele é tão
somente um sintoma do ódio que vossa majestade nutre pelos dois fantasmas do
passado que atormentam vosso sono. Vim porque fiz uma promessa a vosso pai: de
não vos fazer esquecer o caminho que ele ensinou.”
“Como sabe dos meus pesadelos?”, inquiriu
o rei. “E por que achas que são fantasmas?”
“Porque fantasmas são seres que nos
assombram. Mas nisso me expresso mal, e o rei tem razão: são dois anjos que vem
aos sonhos do rei para chamá-lo de volta à razão. Mas o vosso ódio, majestade,
está turvando a vossa mente, porque, quando odiamos, costumamos ver como mau
aquilo que é bom. E sei que odeias porque eu vi o dia em que o ódio nasceu em
vosso coração. Eu estava lá quando tu, rei Eron II, o Promissor, ainda eras uma
criança de oito anos. Foi quando vosso pai morreu, e essa raiz amarga do ódio nasceu
em ti.”
E o rei foi levado de volta a um passado e a muitas lembranças que ele gostaria de poder fazer desaparecer por decreto. Mas Sir Tomas Peace estava li e, juntos, eles iriam enfrentar os “fantasmas” do rei.
14.
Enfim: Eron II, o Promissor
Eron II nasceu como um raio de alegria
para a vida de seus pais. Criado com todos os cuidados de um herdeiro, porém,
mais do que isso, como um filho amado, Eron sentia total conforto e segurança
junto aos seus pais. Seu pai, o rei, era para ele um modelo impecável, e em
tudo o pequeno Eron queria imitá-lo. Inclusive a mãe, às vezes, era tomada por
certo ciúme, sentindo-se preterida, mas o marido logo a consolava:
“É uma fase, minha rainha; agora ele quer
se parecer comigo. Mas esperamos que, quando estiver para se casar, que ele
encontre uma mulher tão graciosa e virtuosa como tu, aí ele será feliz como eu
sou.”
“Você é um tolo!”
“Sim, e mesmo assim casaste comigo”, ele
respondia, e fazia afagos nos seus cabelos, e a enchia de beijos no rosto e no
pescoço. E logo Eron chegava e os abraçava. Tudo estava bem.
Quando Eron já começava a falar as
primeiras palavras, seu pai passou a ensinar os “segredos da vida”:
“Agora você vai aprender a falar, mas
depois você precisa aprender a viver os segredos da vida”.
“São muitos?”, perguntou Eron, já
preocupado porque teria que saber muitas coisas.
“Alguns”, disse o pai. “Vou te dizer o
primeiro. ‘Ama primeiro o rei que virá e poderás amar tudo o mais’. O outro é: ‘O
amor entre homens é falado, mas para o rei que virá é vivido’. E mais um: ‘O
amor do rei que há de vir é uma moeda que tem duas faces: justiça e
misericórdia.’ Porque justiça sem misericórdia, causa dureza, e misericórdia
sem justiça, causa tolice. Mas os dois juntos mostram equilíbrio e maturidade.”
A mãe ouvia e se encantava com a dedicação
do marido para ensinar o filho sobre tudo isso. Ela mesma aprendera com o
marido sobre o rei que virá, mas não estava muito certa de que era algo para
ser levado tão a sério como ele fazia. De qualquer maneira, não interferia na
formação do filho, primeiro porque era o próprio rei seu marido que o estava
ensinando. Segundo, porque, afinal de contas, eram princípios muito nobres e
elevados, melhor do que muita coisa baixa que ele poderia estar aprendendo.
Conforme o príncipe Eron crescia, também acompanhava
o rei em outras rotinas. Aos seis anos, iniciou-se o aprendizado da escrita e
das leituras. Aos sete anos, começou seus treinos de montaria, esgrima; porque
o rei odiava imaginar um soldado que não fosse culto e um erudito que não fosse
soldado. Isso valia ainda mais para o herdeiro do trono. Foi nesse período que
a figura de Sir Tomás se tornou frequente na vida do príncipe, pois Sir Tomas
era o responsável pela maioria dos treinamentos do príncipe. Longe de achar
aquilo um aborrecimento, Sir Tomas se dedicava a essa tarefa sabendo como era
importante e, ao mesmo tempo, tentava fazer com que elas parecessem
brincadeiras divertidas para o príncipe não se desinteressar. Além disso, Tomas
amava o rei que virá, e o príncipe achava-o muito parecido com o seu pai.
Um
dia, quando o rei chegou ao local dos treinos, o príncipe disse:
“Papai, aprendi mais coisas sobre o rei
que virá com o tio Tom!”.
“Foi mesmo? Então diga para mim, vamos ver
se eu também aprendo.”
“É... primeiro: ‘Busque o reino do rei
que há de vir, e seu coração estará no lugar certo.’ A outra: ‘Quando o
príncipe não honra o rei que virá, o povo é que mais sofre.’”
“É uma grande verdade! Nunca se esqueça
disso.”
“A outra: ‘Não pode se sentar no trono para
reinar quem não... quem não...’ ah, essa não aprendi direito, porque é
muito grande.”
“Não tem problema, você ainda vai ter
muito tempo para viver e aprender muitas coisas. Agora vá, a rainha o espera
para fazer a refeição.”
Saindo em disparada, o rei e Tomas ficaram
mais um tempo conversando. O rei agradeceu:
“Obrigado, Tom, por ser tão cuidadoso com
o meu filho. Ainda mais porque sei que você ensina a ele os princípios que o
tornarão mais que um rei sábio, um servo fiel e dedicado ao rei que virá.”
“É meu prazer, majestade.”
“Pois o prazer facilita o compromisso:
prometa que serás auxílio para o meu filho, sempre que ele precisar. Por nossa
amizade.”
“De minha parte, alteza, tendes razão. É
promessa fácil de cumprir.”
“Então que assim seja, diante do rei que virá.”
“Diante do rei que virá”, repetiu Tomas, e
apertaram as mãos.
Por pelo menos dois anos, a presença de
Sir Tomas Peace na vida do príncipe Eron II foi tão regular e marcante quanto a
do próprio rei Eron I, seu pai.
E chegou o dia mau...
O príncipe tinha oito anos. O rei praticava
uma das suas atividades favoritas: a caça a um javali robusto, forte e rápido, que
estava dando enorme trabalho. Sir Tomas aproveitou o fato de estar com um
machucado no pé e não poder cavalgar para ficar no acampamento e cuidar do
príncipe. Estavam fazendo um belo lanche e conversando quando os nobres
começaram a gritar: “O rei está ferido! O rei está ferido!”
O rei estava numa trilha atrás da presa,
quando o animal entrou na mata fechada. Depois de um silêncio, o rei parou o
cavalo para tentar ouvir algum sinal quando, inesperadamente, o javali saiu do
meio da mata e atingiu o lado do cavalo, com um golpe tão forte que o rei foi
jogado para o lado, caindo em uma árvore de tronco irregular e vários tocos de
galhos, pontiagudos e perfurantes. Chamavam-na de árvore-espinheiro. O monarca
sofreu várias perfurações e caiu no chão. O médico da comitiva foi chamado e,
ao ver os vários ferimentos, constatou: perda de sangue, órgão vitais
perfurados...
O rei tinha poucos minutos de vida.
Quando Tomas e o príncipe chegaram, quase
não havia forças para o rei falar. O príncipe chegou próximo ao pai, em
prantos, por vê-lo em tão terrível condição. O rei falou:
“Filho, o rei dos reis ama você, não se
esqueça disso. Eu amo você, você é o meu pequeno, minha luz, meu filho. Não se
esqueça disso.”
Tudo isso foi dito com várias interrupções
e em engasgos de sague, que agora jorravam em profusão pela boca. Não demorou
muito, e o rei Eron I, o Justo, estava morto, dando seu último suspiro
basicamente no colo de seu filho que, aos oito anos, perdia seu pai de maneira
tão absurda, violenta e cruel. O corpo do rei foi retirado, e o príncipe ficou
ali, perplexo e desnorteado. Seus olhos pareciam ter perdido o brilho, estavam
opacos. Por um instante você poderia pensar que ele havia morrido também. Mas logo
depois eles voltaram a brilhar, mas um brilho sombrio, de fúria, olhos de dor,
olhos de fogo! Sua testa e seus olhos franziram, seus dentes rilharam, e havia
tanta força na mandíbula que parecia até que seus dentes todos iam se espatifar.
O corpo ficou rijo e as mãos, fechadas, estavam tão apertadas que
embranqueceram. Então, de dentro de um lugar sombrio, veio o despejar de toda
uma dor através de um grito aterrorizante. O príncipe gritou, com mágoa,
desespero, ira e ódio. E até Sir Tomas temeu quando viu e ouviu o príncipe
assim.
Sim. Sir Tomas havia visto o ódio nascer
no coração do pequeno Eron. E era uma visão terrível.
Os dias se passaram, e essa raiz foi
encontrando um terreno fértil para germinar.
Foi por isso que o conselheiro Alfredo
chegou: para continuar a instrução e o preparo do príncipe, e ajudar na
regência do reino, diante da tragédia ocorrida com seu pai, função que tanto a
mãe do rei como o seu amigo Tomas Peace não puderam assumir.
E por que não sua mãe?
Sua mãe jamais se recuperou dessa perda. Tão
logo soube da morte do seu marido, desmaiou. Ao voltar a si, nunca mais se
recuperou do abatimento que tomou conta de sua alma. Ficou acamada. Veio a
falecer praticamente um ano depois da morte do rei seu marido. Foi outro tipo
de morte, uma que vem aos poucos, um pouco a cada dia. Em um dos momentos que
esteve com ela, acamada, rosto pálido – num quarto tão fechado e sombrio como o
coração de Eron –, a mãe disse: “Meu filho, não seja tolo como seu pai.” Talvez
a mãe estivesse dizendo para ele ser mais precavido, para não se expor a
situações que o colocasse em risco, para zelar mais pela sua segurança, para
não caçar javalis... Pode ser... Mas o que ele entendeu foi: “Não confie a sua
vida a um rei que virá, que não fez nada para salvar seu pai. O rei que virá,
não veio; seu pai se foi.”
E por que não Sir Tomas Peace?
Tomas, antes tão querido por Eron, agora
era visto como uma lembrança viva da fé, dos valores e dos princípios que seu
pai tanto amava, e que de nada lhe serviram. A distância entre os dois foi
aumentando, e Eron aproveitou o novo estranho, Alfredo, o conselheiro, para se
afastar do velho conhecido, Tomas. É óbvio que Tomas percebeu o distanciamento
e respeitou a atitude de Eron. Tentando ainda ser útil, como prometera ao rei e
amigo, conversava com Alfredo e logo perceberam que ambos partilham a mesma fé,
o que permitiu a Tomas tratar não somente das questões do rei, mas também as de
si próprio. E mantiveram verdadeira amizade, daquelas que são como o ferro, que
com o ferro se afia. Depois veio o entendimento de que seria dispensado a
qualquer instante pelo rei: por isso tratou de preparar Lucius como substituto.
Foi com vinte anos de idade que Eron
assumiu como rei de fato, e Tomas foi dispensado de fato.
Ainda assim foi um ano difícil para o rei,
que se casara no início do ano. Logo depois do casamento, Tomas partiu. Já
estando fora da corte foi que soube do nascimento de Sofia e da morte da rainha.
Imaginou como o rei suportaria mais esse golpe. Fez uma prece pedindo o que o
rei que virá viesse para Eron.
Parece que algumas preces devem ser feitas
por muito mais tempo do que se gostaria.
Agora Sir Tomas Peace estava ali,
novamente diante do rei, tentando fazer o que sempre fez: servi-lo, como serviu
e prometeu ao seu pai, Eron I.
15.
Decisão
“Majestade”, disse Tomas, “lamento sobre o
vosso passado. Há muitas perdas, extremamente dolorosas, que todos sofreremos
na vida, mas nenhuma delas será compensada com injustiça. O rei seu pai ensinou
a vós que o rei dever primeiro amar para depois decidir. Se sua majestade amar
o erro, vai decidir pelo erro. Se amar o ódio, o ódio será o conselheiro nas
decisões. Se amar escuridão, é ela que vai nortear sua vida. Um abismo chama
outro.”
O rei ouvia, com aspecto grave e sombrio a
tomar conta de sua face:
“Sua majestade deve imaginar como baixou
um decreto injusto”, continuou Tomas “e agora está a ponto de aplicar uma
decisão injusta sobre Niana. Mas isso não é sobre Niana, ou os demais
camponeses: é sobre o seu pai, e aquele a quem seu pai adorava e ensinou sua
majestade adorar também. É possível decidir fazer injustiça sobre injustiça,
mas essa decisão não trará seu pai de volta. É possível decretar proibições
para que se cante louvores ao grande rei de todos nós, mas nenhuma delas vai
fazer o grande rei deixar de ser quem ele é. Os dois que agitam seu sono, os
dois que o rei diz que odeia, sim, eu sei: eles são seu pai e o grande rei que
se pai amava tanto. E nenhum deles quer vencer vossa majestade, eles querem
lembrar o que foi ensinado a vós, para que sejais o rei que devíeis ser.”
Nesse momento, uma canção vinha lá de
fora, do portão do castelo. Os camponeses começaram a cantar sobre o rei que virá
– a antiga e a nova canção.
Essa tinha sido a instrução do velho Tom a
Reno: “Aguarde mais ou menos uma hora, e comece a cantar a canção proibida”.
“Mas, Tom, todos seremos presos!”
“Ou ninguém será preso... Daqui a uma
hora... Reflita e decida. É o que temos a fazer.”
E uma hora havia se passado...
Lá fora, Reno disse a todos o que iriam
fazer. Luiz, Emília, Nelva e Ária estavam próximos e à frente do grupo. Reno
perguntou:
“Quem pode começar?”
“Eu”, disse Luiz, surpreendendo a todos.
Reno observou:
“Você sabe que a música pode nos levar
para o mesmo lugar para onde Niana foi levada?”
Luiz olhou para o amigo, e respondeu, com
um sorriso calmo e confiante:
“Ainda ontem disse que o rei que virá me
faz cantar com tanta alegria que poderia fazer isso mesmo aprisionado em uma
cela. Então, se for para ser assim, vamos lá! Quero fazer bem feito!”
E foi o primeiro a iniciar a canção
proibida, aquela que fez toda a história começar, e que fez os camponeses
chegarem a esse momento. Logo, todos o se juntaram ao grande coral que cantava,
pacífica e reverentemente, a canção de amor e fé ao rei que virá.
Tom agradeceu ao grande rei que virá porque
os camponeses decidiram ficar e cantar.
“Ouça, majestade”, continuou Tom, “essa é
a canção. Sorva a letra, reflita em cada palavra. Onde está a rebelião? Onde o
espírito de traição, motim, ou coisa parecida?” Eron se sentia acuado, por
saber que, em seu íntimo, tudo aquilo fazia sentido. Mas ainda tentou se aferrar
à sua ideia, e perguntou a Sir Tomás:
“Sir Tomás, falaste tanto que eu devo ser
justo... Achais justo meu pai ter me deixado? E ter sido levado desta vida como
foi?”
Tomas Peace pode responder rapidamente
porque havia meditado sobre isso, literalmente, por anos. Na sua mágoa egoísta,
Eron só remoía a sua perda, a morte de seu pai. Mas Tomas também teve lidar com
a dor de perder o seu melhor amigo. A resposta de Sir Tomas foi:
“Majestade, acho que todos nós partiremos
desta vida, cada um à sua maneira. Não está errado sentir a dor da perda. O
erro está em manter essa dor para além do seu tempo apropriado. Isso não é
saudável. Nenhum aleijado, depois de ficar bom, vai querer continuar a usar as
muletas. É preciso deixar as muletas de lado. É preciso deixar a dor de lado.
Elas já cumpriram a sua tarefa, e o perigo real é o de sua majestade acabar
amando a sensação da dor mais do que a razão que a provocou.”
Ele fez uma pausa, apontou para a porta, e
disse:
“Ao vir para cá, vi que a fonte do castelo
passou por uma manutenção.”
O rei achou aquela mudança de assunto
repentina e insana.
“Na verdade, ela foi consertada. Sofia a
quebrou em um acidente.”
Tomás olhou para Sofia, e disse: “Ah,
mocinha, então estás seguindo a trilha de teu pai, não? Bom, pelo menos você
demorou o dobro da idade para repetir a proeza.”
Eron não sabia o que pensar daquela
história. Tomas continuou:
“Vossa majestade não lembra, mas o
incidente da fonte ocorreu no ano da morte de seu pai. Sim, tinhas oito anos, e
alguns artesãos joalheiros foram solicitados pelo rei para a confecção de
algumas novas joias, inclusive esta, o selo de quatro faces. Como seria um
trabalho demorado, eles ficaram quase uma semana hospedados no palácio. Um
deles trouxe seus dois filhos, garotos como vossa majestade, na função de auxiliares
e aprendizes. Vossa alteza fez amizade com eles. No último dia, estava um calor
intenso e vocês estavam correndo no jardim, quando chegaram até a fonte. Vossa alteza
jogou um punhado de água em um deles, o outro fez o mesmo... Logo, vocês estavam
na fonte a brincar, e se divertiram muito, mas, na empolgação, se penduraram e
acabaram quebrando uma das bocas do chafariz. Seu pai estava descendo as
escadas nesse momento. Ele só se preocupou com vocês. ‘Alguém se machucou?’,
ele perguntou. ‘Não, pai, mas um pedaço da fonte quebrou. Desculpe’. Seu pai
abraçou você e os outros dois meninos, e disse: ‘Sim, quebrou, mas pode ser
consertado. Está tudo bem, só tenham cuidado’. E todos vocês voltaram a brincar
até a hora de os meninos irem.”
Eron nada falava, apenas experimentava
mais uma das lembranças há muito adormecida em sua mente.
“O viver é assim, majestade. Aproveitar os
momentos, bons e ruins, sem saber quando vai acabar. Pode ser terrível como foi
para o rei vosso pai, ou pode parecer tranquilo como o fim da brincadeira em
uma fonte. E quando algo quebra, precisamos consertar. O tempo da vida aqui
acabou para o seu pai. Aceite isso. A fonte do seu coração está quebrada há
muito tempo. Conserte isso. E o rei da vida, que permitiu a partida dura de seu
pai, é o mesmo que pode consertar a fonte quebrada do seu coração. Pare de
odiar o seu pai, e pare de odiar o Senhor Deus. Ele quer consertar, vossa
majestade... Ele quer consertar vossa majestade”, encerrou Sir Tomás Peace e,
com a mão direita, tirou a pulseira que ele nunca tirava, a do seu braço
esquerdo.
Se você visse Eron naquele momento, você
poderia jurar que, de fato, ele era uma fonte: a profusão de lágrimas que
cobriam seu rosto fazia-o parecer uma cachoeira. Sofia correu para o pai, se
ajoelhou em frente a ele, e o abraçou. Ele nada pode fazer a não ser se
derramar mais ainda em prantos como uma criança.
Sir Tomas Peace se aproximou do rei,
esticou o braço direito, tendo na mão aberta a pulseira que nunca tirava. Era
uma bela e valiosa joia, metade em placa curva e metade em corrente com engate.
Ao lado da pulseira, o anel de quatro faces que pertencera a Eron I. O rei,
cabeça baixa, apoiada no ombro de sua filha, nem percebeu a aproximação de
Tomas. Sofia tomou os objetos das mãos do “velho Tom”, e disse:
“Eu os entregarei. Obrigada, Sir Tomas.”
“Não há de quê. Cuide do seu pai.”
Olhando-a fixamente nos olhos, vendo um
pouco da mãe e muito do pai no rosto da princesa, sorriu levemente, apenas um
canto da boca levantado:
“É um prazer conhecê-la, mesmo com
dezesseis anos de atraso.”
“Acho que não, me pareceu ser o tempo
exato.”
“Você é sábia, princesa”, riu Sir Tomás, e
piscou o olho esquerdo para ela. Ela retribuiu o gesto, com certo exagero.
Aproveitando que estava próximo a Alfredo,
deu um abraço no velho amigo:
“Que bom vê-lo, velho amigo.”
“Digo o mesmo”, Alfredo respondeu, “e
obrigado por não desistir do rei, suas palavras foram preciosas.”
“A verdade é preciosa sempre, Alfredo.
Sempre.”
O “velho Tom” se aproximou de Niana, que
era uma mistura de sentimentos: lágrimas de gratidão, alegria, com curiosidade
e, de certa forma, perplexidade.
“Velho Tom, você tem muito para explicar!”
“Não aqui e nem agora, Niana. Agora é hora
de partir.”
“O rei permitirá?”, Niana perguntou,
receosa.
Tom virou meio corpo e falou alto para que
todos pudessem ouvir:
“Agora, majestade, com vossa permissão,
vou me retirar acompanhado de Niana. Os camponeses ainda cantam lá fora. Portanto,
decida: ou prenda a todos nós, ou não prenda a nenhum de nós.”
Sofia segurou o rosto o pai entre as mãos,
quentes, misturadas às lágrimas do pai. Olhou-o fixamente e fez um aceno
negativo, quase uma súplica, com a cabeça.
Nem precisava.
“Lucius”, chamou o rei, em total exaustão,
a voz rouca e doída de tanto sofrer o regurgitar da amargura em forma de choro,
“ordene a livre saída dos dois, bem como o retorno tranquilo e em paz de todos
os camponeses que estão lá fora. Alfredo, redija um novo decreto, suspendendo o
anterior. Leve meu anel de quatro faces para selar, e dê o decreto ao
mensageiro para ser lido e aplicado imediatamente.”
Sir Tomas Peace já estava próximo à porta,
quando parou e, voltando-se mais uma vez para o rei, disse:
“Majestade, obrigado por cumprir a sua
palavra de que seria bem-vindo sempre que viesse. Reafirmo o meu compromisso:
se eu precisar, virei novamente. Se, antes disso, vossa majestade quiser ou precisar,
sabe onde me encontrar: vivo em uma certa aldeia camponesa, veja vossa alteza...”
Ao saírem, velho Tom e Niana foram
saudados com gritos de alegria e júbilo pelos camponeses que continuavam a
cantar. Mesmo afirmando que não precisavam, todos eles foram levados pela
escolta real, cumprindo-se a ordem do próprio rei. Ao chegarem na aldeia,
Lucius pode, enfim, conversar com o seu mentor e exemplo, Sir Tomas Peace:
“Sir Tomas Peace”, disse o agora chefe da
guarda real, “peço perdão ao senhor. Se eu soubesse que você estava aqui, teria
tratado tudo de maneira diferente.”
“Então que bom que você não soube”, disse
o outro, rindo. “Você aprendeu a obedecer a ordens, que bom. Agora precisa
aprender a desobedecer a ordens injustas.”
Lucius ficou envergonhado. Tomas percebeu
e logo continuou:
“Não se envergonhe. Digo isto porque eu
também errei para aprender. Talvez tenha errado mais que você. Seja mais sábio
que eu: aprenda logo, erre menos.”
Lucius agradeceu, abraçou a Sir Tomas e, logo depois, fez novamente a antiga reverência, voltando para o palácio.
EPÍLOGO
Foi uma noite intensa. Uma noite e
tanto...
De volta ao palácio, Lucius deixou claro a
sua admiração inconteste por Sir Tomas Peace. Os mais jovens da guarda só
conheciam Sir Tomas Peace de ouvir falar – e era Lucius quem falava sempre
sobre ele. E agora, tinha mais uma história incrível para contar sobre o seu
antigo mestre.
Alfredo teve a fé revigorada com a
presença de seu antigo e grande amigo. Imaginava o que aconteceria no outro
dia, quais seriam as palavras do rei quando amanhecesse, e se ele conseguiria
perceber se as coisas estavam sendo consertadas no coração do rei. Era o
momento de ter paciência e esperança.
Depois de toda aquela enxurrada de
emoções, Sofia não conversou muito com o pai. Preferiu abraçá-lo e mostrar,
assim, que estava perto, que o amava, e que seu coração estava em paz. Agradeceu
a ele por ter concedido a liberdade a Niana e por anular o decreto. Ele se resumiu
a dizer:
“Não havia outra coisa a fazer, minha
filha”
“E você está bravo comigo, papai?”
“Jamais, filha, eu amo você.”
Ao se retirarem para os seus aposentos,
Sofia perguntou:
“Papai, eu vou para o meu quarto. Posso
cantar?”
“Sim filha, faça isso, por favor.”
No quarto, Sofia cantou o que ouviu
enquanto Niana estava presa e os camponeses estavam no portão. Eles cantaram
tantas vezes que não foi difícil a ela aprender. E na sua voz doce e preparada
com as técnicas de canto, os versos e as notas assumiram um ar divinal.
No seu quarto, Eron ouvia o cantar da
filha refletia em tudo que ouvira. De Niana, de Sofia. E de Sir Tomas Peace.
“Velho Tom... ele esteve por esses dezesseis anos ali, tão perto. E veio quando
foi necessário...”, pensava consigo o rei. Olhou o anel das quatro faces de seu
pai. “Como ele ficou com o anel de meu pai?” Bom, se o rei quisesse saber
mesmo, não seria difícil encontrar o “velho Tom”. “Ele havia se tornado um
camponês, veja só!...”
E o rei se deu ao direito de sorrir,
talvez o primeiro sorriso daquele dia.
Guardou o anel de quatro faces em uma
gaveta do armário próximo à sua cama. Em seguida, pegou a pulseira. Olhou a
beleza da joia. Leu o que estava escrito, e novamente, fui fulminado por uma
lembrança do passado:
Um dia, quando o rei chegou ao local dos
treinos, o príncipe disse:
“Papai, aprendi mais coisas sobre o rei
que há de vir com o tio Tom!”.
“Foi mesmo? Então diga para mim, vamos ver
se eu também aprendo.”
“É... primeiro: ‘Busque o reino do rei
que virá, e seu coração estará no lugar certo.’ A outra: ‘Quando o príncipe
não honra o rei que virá, o povo é que mais sofre.’”
“É uma grande verdade! Nunca se esqueça
disso.”
“A outra: ‘Não pode se sentar no trono
para reinar quem não... quem não...’ ah, essa não aprendi direito que é
muito grande.”
Agora, deitado em sua cama, o rei riu, uma
risada mais alta, divertida. Na placa da pulseira estava escrito, na parte
externa
Não
pode se sentar no trono para reinar...
E na parte interna
QUEM
NÃO SE AJOELHA PERANTE O REI QUE VIRÁ!
“Velho Tom, você não para de falar. Você
não para de ensinar. Obrigado por não desistir de mim, Sir Tomas Peace... mesmo
quando eu desisti de você.”
O rei colocou a pulseira no pulso esquerdo
e ficou segurando-o com a mão direita. Sofia ainda cantava no quarto ao lado.
Na voz, as palavras dos camponeses. Na mente, uma súplica. “Rei que conserta os
corações, conserta o coração do rei meu pai.”
O rei seu pai ouvia a doce voz de Sofia. O
rei dos reis ouvia a voz e a súplica do seu sincero coração.
Eron I, o Promissor, pegou no sono. E
dormiu a noite inteira de um sono tranquilo.
Falta pouco para eu terminar a leitura. E, até agora, estou encantada em todo o enredo e em como a história está rica em detalhes.
ResponderExcluirOpinião suspeita: você é gentil sempre! <3
ExcluirLindo texto, mestre. Juntou a peça com uma criatividade linda.
ResponderExcluirObrigado, amado, pelo retorno em relação à leitura!
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